Desejo e prudência
A urgência para os que jogam amor, para os que estão em “estado de amor”, para os que amam, enfim, deve ser velada, implícita – jamais explícita. A urgência deve estar de tal forma implícita, a ponto de, ela, a urgência, transmutar-se, nesse mundo de sonho e representação necessária, em não-urgência. As coisas devem esperar. Ou não. Talvez nem precisem esperar, pois a esperança é algo bem próximo da tristeza e da agonia. E a urgência é como uma ejaculação precoce, como uma felicidade incompleta e precoce, como um amor precoce.
A vida e o amor são difíceis, mas isso não os torna menos belos. O que poderia ser mais enfadonho que um amor fast-food? A vida e o amor precisam de entradas. As pessoas não são hambúrgueres. Não são carne moída, como estudantes saídos do filme The Wall.
Contudo, como adaptar-se ao balé onde dançam no mesmo palco – ou pista – o desejo e a prudência? Qual a fórmula matemática dessa dança? Quem dita o ritmo da dança? O que se faz quando a vida chama pra dançar e não sabemos nada ou quase nada daquele ritmo? Cortamos os pés? Atiramos no DJ? Não sei. Que tal alguns primeiros passos prudentes? Que tal observar os grandes dançarinos, aqueles a quem, brandamente, invejamos? Talvez o doce da vida seja aprender a dançar.
Eles eram dois jovens artistas. Pelo menos viam-se como artistas – e o importante da nossa imagem está no reflexo que nós próprios vemos. Ela era, entre outras coisas, dançarina. Ele? Eu não sei bem que tipo de artista era ele. E acho que nem ele sabia. Acho que fotógrafo. Ele enquadrava as coisas como faz um fotógrafo. De toda forma, acho que sua arte era visual. Mas uma coisa era certa sobre o cara: ele não sabia dançar. Contudo eles eram artistas que não tiravam seu ganha-pão de suas artes. Certo dia eles se conheceram numa dessas boates da vida. Ele sabia que ela já havia estado naquela boate. Ela sabia o mesmo dele. Os dois, porém, não haviam tido a oportunidade de se conhecerem. Chegara então o oportuno dia. E ele perguntou: “Se você costuma vir aqui e eu também, é estranho que nunca tenhamos nos aproximado, não acha?”. Ela concordou, “sabendo” que as coisas não se dão por acaso. Passados alguns meses eles estavam falando sobre suas vidas na mesa de um restaurante como velhos amigos. E houve avanços no embalo das horas daquele belo dia azul, pois dali passaram, quase instantaneamente, de velhos amigos para um estado de infância, e permitiram-se deitar num gramado onde brincaram de olhar bichos nas nuvens. Ali, naquele gesto brincante, eles mostraram-se bons aprendizes. Virar criança não é, definitivamente, pra qualquer tipo de pessoa. Eles brincaram até o anoitecer. E até depois de anoitecer.
Muita coisa acontecera. O tempo passou e os jovens artistas continuaram jovens – e artistas nunca envelhecem –, continuaram artistas, e continuaram bons aprendizes, e bons brincantes. Então, juntos, produziram boa arte. E se ajudaram mutuamente a aprenderem coisas. Ele aprendeu a dançar e a ter calma e paz no coração – e a não fazer tantos planos pro futuro. Ela aprendeu... Bem... Ela aprendeu muitas coisas a respeito de viver o grande barato de ser mulher e do poder disso. E eles não cansavam de aprender mil coisas, em delicada profusão de conhecimento empírico e sensorial. Sobre desejo e prudência, contudo, eles pouco puderam saber. Há coisas nessa vida sobre as quais pouco se sabe.
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