Em meio a ciganos e a Cracolândia
Eu estava em São Paulo, em um Hotel na São João. Estava na minha fase eufórica, portanto meu sentimento de felicidade era muito grande. Instalei-me em um quarto após ter almoçado com um amigo que gentilmente me apanhou na rodoviária e me deixou no Hotel, desfiz as malas sem parar de cantarolar todos os tipos de música que podia me lembrar. Dançava de um lado para outro enquanto colocava as coisas no lugar. Tinha alguns objetivos para aquela viagem. Pretendia visitar minha prima Angélica. Conversar com outro amigo, profissional de TI sobre um software para minha confecção. Cabe aqui um parênteses, na minha fase maníaca eu normalmente via as coisas com uma proporção muito maior do que as reais. De fato eu estava vendendo muito bem, mas mal tinha começado o meu negócio com as vendas, estava pensando em me matricular em um Curso de designer de roupas, tinha inúmeras ideias borbulhando minha mente, inclusive para confecção de jóias ou semi-jóias, mas qualquer pessoa em seu estado normal saberia que era muito cedo para tomar qualquer outra medida que não fosse muito trabalho, preparo e pé no chão até que fosse possível dar passos ou fazer novos investimentos. Mas quando se está vivendo a fase eufórica do Transtorno Efetivo Bipolar não se consegue enxergar nada disto. O poder que imagina ter sobre as coisas e as pessoas é algo incalculável. Meus dois amigos percebendo que estava extrapolando para uma iniciante e tentavam me fazer voltar a realidade, mas a aquela altura eu o ouvi, até me irritei com eles... Tudo o que eu queria era voar. Naqueles dias eu não estava fazendo nenhum tratamento psiquiátrico para depressões, o que até então era o que tinha sido detectado em mim, o que sempre se justificava pelo fato de eu ter hipotireoidismo há décadas. Andava sonolenta demais pouco antes daqueles dias e como tenho um emprego fixo e estava envolvida com as vendas e com os planos para a confecção, tinha inclusive tentado reunir um grupo para montagem de um Shopping Evangélico, eu passei a tomar dois fitoterápicos um para me acalmar (maracujá em cápsulas) e outro para me dar energia (guaraná em cápsulas). E a quantidade ingerida de um ou de outro eu mesma administrava, muito nervosa mais maracujá, muito indolente mais maracujá. Aos meus olhos tudo ia bem. Eu estava gastando uma exorbitância sempre imaginando que tudo ia ser um sucesso e que não ficariam rombos, só lucro. Fui para o banheiro, me despi daquela roupa empoeirada, regulei a temperatura da água e fiquei quase uma hora sob uma ducha relaxante, finalmente me enxuguei e adormeci por meia hora eu acho. Decidi que deveria dar umas voltas e procurar uma Igreja Evangélica, pois meu amigo ficou de passar no hotel só no dia seguinte para irmos almoçar Tomei mais uma ducha rápida, agora para acordar. Vesti-me e desci. Na portaria era enorme a quantidade de ciganos, segundo a recepcionista eles estavam hospedados ali havia semanas e durante o dia saiam para vender seus produtos. Identifiquei-me com eles de certo modo, pois minha bisavó paterna tinha convivido com ciganos e parece que de certo modo trago um que de cigana no sangue. Eles puxaram conversa e logo disseram e eu estava irônica e totalmente segura de mim, na verdade não estava, por fim me disseram: você é cigana não é? E eu disse não, não sou. Então disseram: você é uma cigana nunca admite ser. Para mim foi uma breve agradável convivência que tive com eles. Aos olhos de meu amigo, foi uma loucura... Depois, sai andando pela São João após o jantar de vestido preto, botas de cano alto e um casaco de lã de carneiro fui confundida por uma garota de programa por um homem, mas logo tratei de alerta-lo que não brincasse comigo, que a única coisa que eu queria era falar de Jesus caso quisesse me ouvir. Eu tinha obtido informações suficientes dos ciganos, da recepcionista e porteiro do Hotel para me possibilitar falar com propriedade sobre as pessoas que andavam por aquelas ruas, inclusive pelos usuários de craque, as prostitutas, enfim, estava verbalmente preparada para as discussões ou abordagens com qualquer um deles e um amor cristão fluía de mim, junto com a falta de consciência do perigo real causado por minha euforia. Encontrei a Igreja , ouvi um pedaço do culto que já estava por terminar, voltei cantando, me encontrei com vários usuários de craque, falei de Jesus para eles, comprei lanche para alguns deles e depois de jantar pedi que o maitre preparasse um prato para um garoto que estava caído na rua depois de usar craque. Eu mesma levei até ele, o despertei limpei seu rosto, lhe dei um abraço e lhe dei de comer, uma andarilho que estava por ali vendo minha conversa com o garoto aproximou-se admirado.
Eu o cumprimentei e ofereci algo para ele comer também. É incrível como o sentimento audacioso da fase eufórica nos permite coisas incríveis. O abdarilho me contou sua história e disse que estava muito feliz por eu estar conversando com ele. De um modo tão gentil, apesar de maltrapilho e com algum cheiro de álcool acompanhou-se até o hotel como um cavalheiro, é impressionante que por detrás de capas de imundícia e miséria existam algumas pessoas tão lindas. Combinamos de ir juntos tomar café no dia seguinte. Entrei no Hotel conversei com todos com a mesma firmeza e tranqüilidade que a fase eufórica me permite e depois subi para meu quarto. Onde fiz várias anotações e preparei a agenda para o dia seguinte....
Teresa Azevedo