Agosto - dela
Eu disse que as boas maneiras não serviam para nada, ele as guardou numa gaveta, jogou fora as chaves, e esqueceu. Me lembro de detalhes como os dedos machucados de tanto morder, sem saber o motivo. Não sei se era minha pele que ardia, ou se a febre me dominava, eu delirava, mas era uma noite fria. A maioria de nossas noites eram frias, muito vento, muito agasalho e tosse. Eu me lembro que sentados num banco gelado conversamos sobre muitos assuntos, falamos de sonhos, defeitos e qualidades de cada um. Eu queria mostrar minha alma, mas hoje penso que foi melhor assim, ele não estava pronto. A única coisa de que não tenho plena certeza é se chovia... acho que não... mas posso ver com clareza a camisa verde, bermuda, chinelo. Pensei em pedir um cigarro. Pedi. Ele disse que não tinha, mas o amigo podia me dar um. Que loucura, há quanto tempo eu não fumava? Achei melhor continuar assim, abstinência. Ele disse que queria usar drogas, que a vida não presta, que iria a uma rave e tomaria bala e dançaria perdidamente até se perder de verdade de tudo aquilo que queria esquecer. Falou alguma coisa sobre ser uma folha de couve que vai sendo devorada por um bicho, acho que é isso. Nossas conversas filosóficas duravam quase a noite toda, com todas aquelas pessoas ao nosso redor, mas era fácil falar, era fácil sentir. Eu sei que eu senti demais e que ele falou para não esperar nada... esperar... nunca foi realmente minha intenção. Pedi para ele colocar uma música, qual? Qualquer uma, sei lá: “Time is running out”, ele não conhecia. Tentei explicar por que eu gostava de “Felling good”, mas ele não parou para ouvir. Eu disse o que sempre quis fazer e ele respondeu que sempre soube, mas a resposta foi silenciosa, ele não queria ou não podia, não sei. No mp3 sempre uma trilha sonora para cantar com ele, e quando ele cantou foi lindo. Ele cantou “Shiver” quando meu coração parou. Ele disse que eu sou chata, que não gosto de nada, mas como saber? Não gosto de música eletrônica, eu sei, mas gosto de tantas outras que nem sei. A noite era fria demais, o vento dominava meus cabelos, eu sentia muito frio, queria poder me aquecer ali, ele só queria ir embora. Ele foi embora, e isso tudo não passou de um desencontro, marcado à caneta vermelha numa folha de meu calendário. As palavras foram cruéis, eu disse que não precisava, mas ele tem uma opinião forte e acha que tudo o que acaba, acaba. Mesmo depois de caminharmos pela mesma calçada, ele foi embora. Depois de tudo, ele foi embora. Eu sabia que ele iria, sempre soube, mas nem sempre o saber torna mais dócil o adeus.