Observando Luíza - parte 3

Deveria eu me declarar à Luíza? Era só isso que me atormentava naquele dia. Estava chovendo muito, o que tornava um tanto desconfortável ficar à sua porta. E o dia dela também estava monótono, ela simplesmente não saiu de casa nem um minuto, e as portas e janelas permaneceram fechadas o tempo todo. Eu imaginei que ela estava aproveitando o dia chuvoso para dormir e descansar da noite agitada que teve. Ela saíra com uma amiga e ficara até quase amanhecer numa balada. Eu a segui até a entrada da boate, mas preferi não entrar, para não ver o que ela faria lá dentro, porque sei que se eu a visse com alguém, não aguentaria segurar o ciúme e acabaria fazendo alguma besteira. Melhor esperar do lado de fora, é menos arriscado. Ela deve ter se divertido muito, mas prefiro não tentar imaginar o que ela fez. Preciso manter minha sanidade, foi o que concluí. E durante esse longo dia ela não apareceu... eu fiquei lá, esperando, e nada. A amiga que a acompanhou na balada também dormia, tinha ficado na casa dela quando chegaram, talvez por que estivesse muito bêbada para dirigir até sua casa. Achei um bonito gesto de amizade Luíza ter pensado nisso, ela estava preocupada com a segurança da amiga. Sem nada para fazer e devo admitir um pouco entediado por ficar ali sozinho, liguei o rádio do carro e sintonizei uma estação que estava tocando Chico Buarque, e era uma das minhas favoritas: “quero pesar feito cruz nas tuas costas, que te retalha em postas, mas no fundo gostas, quando a noite vem.” Parecia não haver música mais propícia para aquele momento; não estaria essa minha vigília se tornando uma cruz em minha vida? O que eu esperava como resultado disso? Luíza também se apaixonaria? Foi com esse pensamento que acabei pegando no sono e sonhando com Luíza, é claro. No sonho ela vinha até onde eu estava e dizia que sabia de tudo, que já tinha percebido a minha presença diária ali em frente à sua casa e que não estava brava, mas sim, se sentia lisonjeada por uma pessoa lhe dedicar tanto tempo e tanta atenção. Disse ainda que aquilo nunca tinha acontecido com ela antes, e que ela não sabia como agir, mas mesmo assim iria respeitar a minha vontade se eu ainda quisesse segui-la. Acordei assustado, ainda sonhando e sua voz ecoando real em minha cabeça. E quando dei por mim, eu estava coberto com uma manta, que antes não estava ali. Teria sido real? Teria sido ela, a minha Deusa quem veio me cobrir? Só poderia ter sido ela, tão boa e tão carinhosa, mas como? Ela realmente já sabia da minha presença?A chuva tinha diminuído e da casa de Luíza vinha uma melodia conhecida, tocando baixinho: “quero ficar no teu corpo feito tatuagem, que é pra te dar coragem pra seguir viagem, quando a noite vem...”

Joana Masen
Enviado por Joana Masen em 26/12/2009
Código do texto: T1996967
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