Falsa Tabacaria [Dissonância Subjetiva]
Perdoem-me pela minha ignorância...
(À Priscila Nogueira Branco)
"Me sinto uma figura desconexa, sobreposta à radiante realidade, caminhando por sobre as linhas dissonantes de um quadro detalhadamente retratado. Minhas idéias se confundem com o filtro do cigarro que dependurado, se queima em minha boca, sem tabaco, sem toxina, apenas papel e fumaça ilusória que trago e destrago por dentre o peito dormente, insensível e afogadamente despejado em formigamento rubro pigmentado.
Particípios imparciais de minha vida. Estranhamento inconcebível às pupilas dilatadas em escuridão. Noite perpetuada em caligrafia ilegível".
Me vou a Tabacaria. Centro-me à porta e procuro um cigarro. Acendo o isqueiro e fico vendo as figuras que se formam na escarpe de sua chama. Lambo-a sem me queimar a língua; não sinto a realidade penetrar-me a pele, continuo inerte e cansado. Abro a carteira e tiro de dentro um pequeno rolo recheado, e o guardo novamente.
Apago o isqueiro, e olho para sua imagem. A Tacabaria está fechada. As luzes apagadas confundem-se com o marrom amadeirado de seu interior. Vazio.
Olho a minha frente, na rua uma chuva fina segue sem esperança. Tediosa, ela me sauda e embala, abraçando-me com seu corpo aveludado e frio; respiro profundamente e a fumaça sai de meus lábios, me dissolvendo. Dispersa, condensa-se à atmosfera gris e se desfaz.
Forço abrir a porta. Ninguém me atende, e em seu interior permanece a ausência de todas as coisas. Sem espectativas, encontro os vidros de meus óculos à vidraça da loja. Uma vibração percorre meu corpo, incomodado, procuro por entre os bolsos o telefone. Pego-o e penso em não atender. Atendendo, respondo monossilábico aos reflexos cotidianos de civilização. Me ausento da tabacaria.
Em sua ausência mantenho-me inerte, dissonante, suavemente irritado e sem esperanças. Não encontro porta ou janela por onde possa sair. Ainda assim, seguro-me à cabeça para que não desmaie ou disturbe a minha conturbada estrutura. Fágil massa de carbono e cálcio. Olho para cima e não me vejo, as núvens nada me dizem ou refletem. Sinto-me um prisioneiro de miha própria vida, sem a libertação de um cigarro que me desfaça etéreo em fumaça. Onze minutos de sólida libertação. Jogo de palavras sem sílabas.
Defronte à Tabacaria, um ruído em silêncio, me apego ao meu desprezo e à má disposição. Olho-me no reflexo embaçado do vidro e me despedaço. Não me encontrando, desapareço.
Por dentro a porta se abre e me ascendo. Afogado, me engasgo; em mim, desfragmento, e fumado me componho à realidade fomentado em tons de cinza.
(Cheirando a fumo [espaçado]).