Desencontro
O céu brilha incessantemente, fazendo a noite gerir a sombra turva que segue Duillian, em uma caminhada noturna.
Cabisbaixo e de soslaio, confere em uma poça d’água a beleza radiante emitida do céu.
Coleando, olha aos lados, sente medo, procura alguém, mesmo que desconhecido, almeja dialogar-se, precisa dizer o que sente, sua mente está perturbada, está confuso.
Mas as ruas são desertas, Duillian deseja sorrir novamente, precisa de luz, o pavor anda ao seu lado.
A inapetência o faz delirar, sente náuseas, seu corpo encontra-se em putrefação.
Eleva suas mãos trôpegas sobre seu cenho, tentando afastar a dor, é triste o estado em que se encontra, a custo anda a passos lentos, senta-se sobre a sarjeta da longa rua deserta.
Duillian está sozinho, não pode mais emitir ordens, o tempo desbota seu exemplar uniforme, sua honrosas condecorações militar nada podem fazer para ajudá-lo.
Duillian lembra-se que não deve sentar-se, é um guerreiro alado, é irmão do condor, usa “but marrom”, horripila-se de pensar na transgressão cometida.
Energicamente levanta-se, com garbo em excesso suspende a cabeça e sai de ombros erguidos.
Anda alguns metros, pára ao ver o desalinhamento de alguns vasos de plantas, observa a seu modo a incompetência de quem os arrumou, tenta usar a força para movê-los, de nada adianta, sente-se humilhado, na caserna apenas com a voz de comando alinhava homens, formava-os em pelotões, grupos de combate ou esquadras.
Duillian sente-se derrotado, começa manifestar novas dores em seu corpo.
Mas o que fazer ?
Duillian entrega-se, foi preparado para não desistir, é fraco... aprendeu a superar a dor, a fome, o frio, a chuva, mas não resiste, ao chão expõe-se contorcendo de dor, sofre do que não devia sofrer, sente o que não devia sentir.
Duillian precisa de ajuda, ameaça pedir socorro, sua voz estagnada não é ouvida.
Acena os braços, move-se ao duro chão, rasteja por alguns metros, mas todo esforço apenas danifica seu exuberante dolmã.
Duillian está doente, não devia estar doente, está sem forças, abatido parece um mendigo nas tristes ruas negras.
Duillian está cansado, quer saber as horas, olha ao relógio e o vê coberto de sangue, é o mesmo que escorre de seus braços, Duillian quase não acredita mas está sangrando, deseja ser levado a enfermaria, mas não existe médico, não existe enfermaria.
Duillian entra em estado de choque, o sangue continua jorrando, tenta estancá-lo, prepara um torniquete, tudo em vão, ao chão o sangue escorre ferindo a parte indene do asfalto, desemboca em um bueiro, e com ele sente ir sua vida.
Duillian sente a morte de perto, pensa que vai morrer, antes precisa dizer o que sente, necessita desabafar, tem uma missão a cumprir.
Duillian está delirando, ouve passos aproximando em sua direção, vê homens fardados, é uma tropa, vem marchando com traquejo e vibração, seus uniformes estão impecáveis, menos mal, uma tropa de infantaria! Vai salvá-lo.
Sente-se ainda que desfalecendo orgulhoso, ao ver as boinas vermelhas, os coturnos marrons de brilho ofuscante, vai fazer um elogio ao comandante da tropa, mas esta passa e Duillian sente falta do comandante.
- Onde está o comandante ?
A tropa está sem líder, segue tremendo o chão e distancia-se.
- Não existe tropa sem comandante, o mais antigo deve assumir.
Duillian observa o socorro marchando sozinho, em profundo delírio talvez não saiba que o comandante está doente, está morrendo e deixou de cumprir uma missão. É falta grave deixar de cumprir missão, Duillian sabe disso, o sentimento do dever o faz sofrer.
O sangue agora, está coagulando e pára de jorrar, Duillian está praticamente inconsciente, sente sono.
O sono aumenta, Duillian sente frio, precisa descansar, procura abrigo, deita sobre um punhado de jornais e dorme.
O silêncio afaga a noite, e Duillian dorme na rua, onde mais se parece um necrópole.
Ao cabo de poucas horas o dia amanhece, Duillian levanta com ânimo, há muito tempo que não se sentia tão bem, já não mais sente dor, em sua frente há uma mensagem no muro que passara despercebida:
“O limite da tua vitória, são as bordas dos teus sonhos”
Duillian lê, relê a mensagem, e parte dali se sentindo um vitorioso, vai cumprir sua missão, deve cumprir sua missão.
Duillian se bate, expulsando a poeira contida em seu uniforme, arruma o colarinho e caminha fazendo pose.
Duillian precisa ir ao quartel, tem uma missão a cumprir, caminhando passa novamente pelos vasos de plantas desalinhados, finge que não os vê, são insignificantes, segue em frente.
Mas não existe quartel, não existe uniforme, não existe missão.
Duillian não é mais o comandante, deve transpor uma barreira, talvez esta sim! seja a sua missão, abdicar-se da matéria, reconhecer sua condição.
Duillian agora não é o Duillian, talvez um jardineiro desencontrado, resolveu cuidar das plantas em Campo Santo, resolveu cuidar da sua planta.