JANELAS parte 2

4

Acorda no horário de sempre, o despertador berra a pontual música “Esse céu azul... A imensidão... E fazer das tristezas... E do pranto uma canção...”

‘Há um mundo bem melhor todo feito para mim.’ Vai para o banho, sente a água no corpo enquanto se ensaboa. Ele esfrega bem forte seu corpo, se dedica as aquixilas. Sai do banho se enxuga e começa a mecher nas antigas gavetas e embaixo de umas toalhas de banho que cheiram a guardado encontra o que procurava: um velho vidro de perfume. ‘Lembro-me que ganhei isso em uma rifa cretina de alguma professora já aposentada. Enfim, vou usá-lo hoje.’ Se perfuma um pouco, sente o odor mais não sabe identificá-lo. ‘Que eu saiba existe uma certa catalogação dos odores: Ácidos, doces entre outros eu acho. Mas não sei qualificar esse.’

Toma o seu café. Tranca a casa e vai para o ponto do ônibus subindo a ladeira de sua casa. Nessa hora da manhã poucas pessoas saem de casa, alguns operários das empresas da cidade esperam o ônibus fretado. Ele vai para o ponto comum. As mesas pessoas de sempre uma senhora gordinha que trabalha em uma ótica, dois estudantes indo para a faculdade de engenharia e um homem com uma maleta preta. Como sempre os estudantes o irritam, estão usando aquelas jaquetas escritas ENGENHARIA com letras garrafais. ‘Se eu fosse um engenheiro, ou melhor um aspirante a engenheiro também exibiria em letras garrafais. Graças a esse letreiro muitas mulheres aqui dessa cidade adoram caçar os estudantes ou os militares da aeronáutica.’ O onibus chega ele se senta e logo atrás dele estão os dois estudantes de engenharia. Eles falam de como o final de semana foi atribulado, cheio de festas, orgias e bebedeiras. ‘Estes são os engenheiros do país, uma das classes mais bem pagas da nação. Não sei porque no Brasil existe esse culto aos engenheiros. Um professor em começo de carreira ganha menos que um estagiário de engenharia em uma boa empresa. Ces´t La vie...’

Os estudantes continuam a falar sobre as festas até que um deles começa a contar uma história, cheio de arrogância, de que ele conheceu uma mulher de uns trinta e oito anos que trabalha num escritório de contabilidade. Segundo o dito aspirante a engenheiro ela o trata como um rei. Paga suas saídas em bons bares da cidade além de presenteá-lo com várias coisas e inclusive levá-lo a um famoso motel dos arredores, famoso por ser caro e requintado. ‘Como as mulheres são idiotas. Esse moleque está a usando, somente isso. Mas pensando bem, errado aquele que não usa as pessoas.’

Na rodoviária ele faz a baldeação dos ônibus e segue seu rumo para a escola. Como sempre chega alguns minutos antes do seu horário, arruma sua papelada diária e antes mesmo do horário inicial do expediente já começa a trabalhar. ‘Antes isso do que agüentar as conversas medíocres dos professores. ’ O sinal bate, a gritaria selvagem dos alunos que dirigem-se para as salas de aula. Como sempre isso o irrita. Mas logo as aulas começam e ele tem tempo para continuar com seus papeis. ‘Hoje nenhum professor faltou, milagre!’ As horas passam, uma angustia toma conta do seu peito. Ele não sabe o que é isso, muito menos como acabar com essa sensação inquietante.

De repente, ele levanta os olhos da sua mesa e a vê. Hoje Helena está linda, ele somente vê os cabelos loiros esvoaçantes, o óculos de acrílico vermelho em cima do nariz aquilino e bem desenhado, e atrás das lentes os olhos azuis. Ela veste uma camisa estilo pólo, rosa, com o primeiro botão aberto, nada muito vulgar, mas o bastante para ele admirar por alguns instantes.

- Oi. Trouxe os documentos que você me pediu. Com isso a portaria fica aberta? – pergunta Helena enquanto deposita um calhamaço de Xerox na bancada.

Ele se levanta, caminha até ela, verifica os Xerox, não sem antes de cada troca de folha reparar nas mãos dela, pequenas e gordinhas, contrastando com o corpo magro. As unhas não são compridas, mas muito bem pintadas de uma cor vinho. Ele responde:

- O próximo passo é comigo, vou preparar tudo e falar com a diretora para que ela assine toda a papelada.

- Que ótimo, preciso começar a dar aula logo. Tirar uma graninha, sempre é bom.

- Pode ficar tranqüila eu encaminho tudo certo para que isso fique pronto o mais rápido possível.

- Maravilha. Mas como eu fico sabendo que está tudo certo? Devo vir aqui amanhã?

- Não precisa, é só deixar o telefone ou e-mail e eu entro em contato avisando que está tudo certo.

Ela passa o telefone e o e-mail. Ele anota tudo com esmero. Ela se despede e sai.

‘Como assim? Ontem toda simpatia. Hoje ela foi mais insípida, mais profissional. Será o perfume? Será algo que eu falei? Passou as informações e foi embora.’

Senta-se na sua mesa e começa a observar os documentos dela mais uma vez traça um perfil de Helena segundo as informações de seus documentos.

‘Helena de Assis Roma; vinte e dois anos; histórico escolar de escola pública; está no segundo ano de Educação Artística; Faculdade particular em Lorena (cidade vizinha); mora no mesmo bairro da escola; nome do pai não consta no RG; Na foto 3x4 ela está estranha como todo mundo em uma foto 3x4;’ Começa a preparar toda a papelada para que ela possa dar aulas como eventual na escola.

‘Filha de mãe solteira, com toda certeza. Classe média acredito eu, devido as roupas. Preciso descobrir as motivações dela para fazer Educação Artística, será que ela quer ser professora, ou é daquelas com perfil de artista?’

Depois de um tempo, ele termina toda a burocracia. ‘Com toda certeza a diretora vai assinar. Depois disso é comigo, qualquer professora que faltar eu a encaixo. Assim ela ganha pontos para dar aulas e eu posso ganhar pontos com ela.’ Ele estaca um minuto. ‘Que pensamento mais... mais... adolescente esse, ganhar pontos... expressão ridícula... dizem que o amor muda um homem... é realmente estou mudando. Mas ela nem sabe quem eu sou direito, realmente estou parecendo um adolescente, um adolescente apaixonadinho...’

Quase no fim de seu expediente a vice-diretora chega. Ela passa por ele e entra direto em sua sala. Ele se levanta, pega toda a papelada referente a Helena e bate a porta da diretora. Ela grita, meio histérica:

- Pode entrar! – ‘Porque professores e afins vivem em estado de histeria? Talvez seja o trato com os alunos. Talvez seja o baixo salário. Talvez seja o arrependimento pó escolher uma profissão tão dura e ao mesmo tempo tão pouco valorizada.’ Ele se lembra do aspirante a engenheiro sorrindo e falando de suas orgias. ‘Seria sorridente se fosse engenheiro... seria histérico se fosse professor... não sou nem uma coisa nem outra...’

- Dona Ida, eu arrumei toda a papelada para a portaria de uma professora eventual, ela mora aqui mesmo no bairro, e acho que seria interessante abrirmos portaria para ela. Ela pode vir rápido e ao mesmo tempo deve conhecer o pessoal das redondezas o que facilitaria a proximidade entre ela e os alunos. – Ida se assusta com as palavras dele. Ele nunca fala tanto assim. Geralmente é mais taciturno, quase uma estátua, ela sempre teve ele em conta como uma pessoa que não se importa com outros seres humanos. Nos corredores da escola ele é muitas vezes chamado de Robo. Ida pisca os olhos, tira os óculos de leitura. Ida é uma mulher de seus quarenta e sete anos, corpo flácido com uma barriga protuberante, digna de um bom freqüentador de boteco. Feia como a maioria das pessoa que trabalham na área da educação.

Ida sente um cheiro invadir sua sala, um cheiro agradável, cheiro de perfume. Ela estranha esse cheiro, apesar de nunca cheirar mal, em nenhuma outra oportunidade ela sentiu perfume exalar dele. Apesar do silêncio sepulcral para Ida ele sempre foi uma boa pessoa, e por isso ela resolve não perder a oportunidade de caçoar dele.

- Você está mais falante e mais cheiroso que de costume. – sorri para ele e logo percebe que ele se ruborizou de maneira inédita. – Me desculpe, mas não pude perder a oportunidade de brincar com você. – Ida alarga ainda mais o sorriso, percebe que não foi uma boa idéia brincar. Ele sente o coração pulsar de maneira muito mais forte e as faces queimam como brasas. Ele aperta firme a caneta em sua mão.

- Assim que a senhora assinar, por favor me avise. – sai da sala pisando firme, senta-se em sua mesa, enfia os dedos por entre os cabelos, respira fundo. ‘Se a imbecil da diretora reparou e achou estranho ela também deve ter reparado e achando estranho. Não devo mudar tanto assim minhas ações. Logo será o horário do almoço, preciso me concentrar no Daniel.’ JANELAS.

Após comer seu almoço ele vai até a LAN-House. Paga vinte Reais o que lhe dá direito a quinze horas de conexão.

Conecta o MSN, email Daniel_freire86@hotmail.com. Status: conectado.

Como esperado Sheila está conectada.

Daniel diz: olá minha Querida. Como vc está?

Sheila diz: um pouco melhor, finalmente estou ganhando um dinheiro mais legal.

Daniel diz: O que anda fazendo?

Sheila diz: Se eu te contar vc não pensa mal?

Daniel diz: Claro que não, nunca penso mal das pessoas.

Sheila diz: que bom. Pq assim, meu irmão que está ai no Brasil veio cheio de liçãozinha de moral para o meu lado.

Daniel diz: Meu Deus. Minha querida o q vc ta aprontando ai?

Sheila diz: então. Esse é o grande problema, meu irmão acha q eu to aprontando, mas não é bem assim.

Daniel diz: mas mulher me diz logo que vc ta fazendo ai.

Sheila diz: Estou trabalhando em uma espécie de danceteria aqui.

Daniel diz: como o que?

Sheila diz: como dançarina. Estou trabalhando como dançarina em uma danceteria aqui.

Daniel diz: mas assim... que tipo de danceteria é essa?

Sheila diz: é uma danceteria mais sensual entende? Estamos na frança cacete... o jeito das pessoas falar aqui já é sensual portanto esta danceteria é uma danceteria meio sensual entende?

Sheila diz: só que o babaca do meu irmão pensa que eu virei prostituta e eu não sou prostituta.

Daniel diz: Mas assim querida, até que ponto essa danceteria é sensual? E o que exatamente vc faz lá?

Sheila diz: chama-se be astound bar. Tem estilo americano mas o dono é um brasileiro que mora aqui a anos,ele nem fala mas português corretamente, parece mais um frances que sabe falar português.

Daniel diz: pelo visto vc é dançarina lá.

Sheila diz: isso mesmo. Só que assim, eu danço de biquine e tal, nada de mais. Ta certo que levo umas cantadas e tudo mais mas nada a ver com ser prostituta.

Ele olha a foto dela na janelinha do MSN. Uma mulata de sorriso lindo seus dentes extremamente brancos destacam-se no meio de lábios carnudos e escuros.‘lábios voluptuosos. Minha filha você quer enganar a quem com essa historinha de que foi ai procurar emprego descente. Está na cara que você bem queria ser uma prostituta. Vou provocá-la para ver o que eu tiro disso.’

Daniel diz: se bem que assim vamos e venhamos que excetuando-se por uma visão de cunho extremamente moralista. Ser prostituta não é nada de mais. Em muitos países está é uma profissão legalizada e sem problemas.

Sheila diz: é verdade, talvez aqui eu não sofra tanto preconceito como ai no Brasil. Isso caso eu me tornasse uma o q não pretendo.

Daniel diz: realmente não pretende? Vou te falar a verdade, eu gastaria um bom dinheiro com vc. RS.

Sheila diz: hehehehehe. Muitos homens já me falaram isso aqui.

Daniel diz: e vc se interessou por algum?

Sheila diz: tem uma francesinhos coroas aqui lindos. Tbm com a grana que eles parecem ter qqr homem ficaria lindo. Sabe homem bem cuidado, cheiroso eu casava com ele.

Daniel diz: então pelo visto vc tem alguém em vista?

Sheila diz: olha vou te falar a verdade. É o seguinte, todas as dançarinas do bar trabalham como garotas de programa. Mas assim, o dono me liberou para ficar só como dançarina e quando me sentir a vontade eu posso começar a fazer programa.

Daniel diz: e pelo visto vc está ficando tentada a começar a fazer programas não é?

Sheila diz: estou sim. Pq com isso eu vou conseguir muito dinheiro. E muitas aqui conseguem se casar com uns granfinos aqui. Sei lá na verdade estou me acostumando a idéia.

Daniel diz: olha só, não se apegue a moralismos não. Faça o que achar ser o melhor para vc. Mas uma coisa te falo, se for levar isso como profissão não seja explorada por ninguém. Não posso falar com segurança mas fiquei meio resabiado com esse brasileiro dono do bar.

Sheila diz: que isso. Ele He um cara super legal. Sei q posso confiar nele.

Daniel diz: sendo assim

Sheila diz: sim sim. Ele He muito confiável.

Daniel diz: olha só. Tenho que ir agora. Outra hora nos falamos.

Sheila diz: sem problemas meu lindo.

Daniel diz: bjs

Sheila diz: beijos.

Ele desconecta-se do MSN. ‘Como as pessoas se auto-enganam para viver. Ela já foi com a idéia embutida de tornar-se prostituta. Gostaria de saber se ela ficou me enganando falando que não, ou ela também ficava se enganando. No fundo todo mundo sabe as porcarias que está fazendo, mas criamos capas de proteção para continuarmos nos achando boas pessoas.’

O sol está de rachar na volta para a escola. A tarde é tranqüila, muito pouco serviço. Dona Ida não está, mas deixou toda a papelada de Helena assinada, ele carimba tudo aquilo que deve ser carimbado. ‘Existem dois símbolos do funcionalismo público a maquina de escrever e o carimbo. A maquina de escrever perdeu para o computador, mas nem o computador foi mais forte que o carimbo, o carimbo é o símbolo eterno do funcionalismo público.’

Divagando sobre símbolos e funcionalismo público, ele termina a burocracia. Categoricamente Helena já é uma professora eventual aqui na escola. ‘A partir de agora é só esperar os professores faltarem e Helena estará aqui.’

Ele pega o telefone, disca para Helena o telefone toca do outro lado ele vai contando os toque: ‘um... dois... três...’

- Alo.

- Aqui é da escola Ernesto Quissak, eu gostaria de falar com a professora Helena.

- Um minuto só. Vou chama-la.

A voz do outro lado era de uma senhora de relativa idade, ‘seria a mãe dela? Ou a avó?’

- Alo

- Oi Helena?

- Sim, ela mesma.

- Aqui é da escola, só liguei para avisar que sua portaria está completa. Assim que algum professor faltar eu te ligo para substituir. Ok?

- Claro claro, muito obrigado pela atenção.

- Por nada. Até mais.

- Até mais. Beijos.

Ele desliga o telefone. Tira da gaveta o livro que está lendo, é só esperar agora pelo fim do espediente.

5

No caminho de casa, antes da baldeação de ônibus desce próximo ao shopping. Ele não gosta de movimento, mas pretende comprar algum filme interessante para assistir. Entra na loja e começa a procurar filmes interessantes para assistir. Separa alguns filmes que lhe interessam seis filmes. Entra na fila e paga os filmes. Na saída do shopping ele corre para não perder o ônibus, sobe e tranquilamente chega em casa.

Decide que antes de entrar na internet vai assistir um filme, um dos filmes que comprou é o clássico Pulp Fiction ‘é uma maravilha essas lojas de dvd, por incrível que seja, você pode pagar doze reais em uma obra prima como Pulp Fiction ao mesmo tempo que pode pagar sessenta reais na porcaria do Crepusculo. Realmente a sociedade não sabe precificar as coisas. Para mim isso é uma maravilha.’

Insere o disco no aparelho de DVD, alguns segundos se passam e nada acontece além do reading disc piscando no visor do aparelho. Troca de filme, uma, duas, três vezes até constatar que o seu aparelho está com defeito.

‘Vou ter que comprar um novo.’ Senta-se no sofá e liga a TV começa a rodar os canais. Para no canal mais prega da TV brasileira, uma criança está sendo entrevistada por uma velha. ‘Que horror, está criança parece um diabo, um erê. Odeio crianças inteligentes, na verdade são crianças mal educadas e tagarelas. Imagino que Mozart não se portava como um imbecil igual está maldita menina.’ A TV que ele assiste atualmente tem como foco está criança. ‘É incrível como o povo gosta disso. Cada dia que passa fico mais decepcionado com a massa brasileira. A mediocridade da massa se reflete principalmente nos programas de televisão e mais ainda nesse canal que cultua o brega.’ A menina na TV pula, canta e fala como uma adulta. Ele fica cada vez mais irritado com isso, principalmente pelas risadas da platéia e da apresentadora já de idade. ‘Eu gosto é da mediocridade, eu gosto é da sujeira, do podre, do escatológico. Hei de ver essa menina quando crescer sendo uma falida, uma frustrada. Talvez drogada. Não, não. Melhor ainda poderia tornar-se atriz de filme pornô. Moralismo a parte seria ótimo ela se sujeitando a isso.Vou para a internet antes a sujeira real que está porcaria de criança.’

Conecta-se na internet. Leva um tempo para escolher qual personagem entrará na internet.

Luís Figueiredo
Enviado por Luís Figueiredo em 20/12/2009
Código do texto: T1987716
Copyright © 2009. Todos os direitos reservados.
Você não pode copiar, exibir, distribuir, executar, criar obras derivadas nem fazer uso comercial desta obra sem a devida permissão do autor.