NOITE DE NATAL

Era véspera de Natal.

Dezembro...sempre era inverno em Tucuruí.

Morávamos numa casa de madeira, como quase a maioria das casas que existiam na cidade.

A cidade da hidrelétrica estava em euforia apesar da chuva cair copiosamente.

Os meus filhos brincavam...

A Ana Paula (que todos chamavam de Paulinha )tinha na época seus seis anos. De cabelos encaracolados e um sorriso que contagiava; a Ana Katiuscia (a Katinha ) era de uma vivacidade envolvente nos seus cinco anos ; o Diego meu terceiro filho de três anos muito compenetrado de poucas falas era o oposto do Walker de um ano e onze meses que tinha sempre um sorriso largo e afável e o Klarc de apenas onze meses o meu caçula, que após mamar adormecera em meus braços. Coloquei-o no berço voltando aos meus afazeres domésticos; tinha que providenciar o mingau para o Walker ;deixar na mamadeira e enrolar na fralda para que quando fosse a hora de tomar ainda estivesse morno.

Achava tão lindo quando ele chegava perto de mim com aquele sorriso e dizia- mãe gau,

Quando eu pegava a mamadeira ele saia correndo na minha frente para o quarto deitava-se na cama e com as mãozinhas gorduchinhas segurava a mamadeira e começava tomar então eu dava um beijinho e ele sorria.

Terminando de preparar o miguau, fui preparar o almoço precisava providenciar alguma coisa para os outros.

Um carro passou tocando música natalina, a Paulinha chegou perto de mim perguntando: Mamãe ,o Papai Noel vem trazer o meu presente? Logo os irmãos chegaram e cercaram- me aos atropelos olhando-me com aqueles olhinhos cheios de interrogações. – Mãe e o meu ?? E eu também vou ganhar? . Agachei- me e todos abraçando- me sorrindo e perguntando e eu não sabendo o que responder.

_ Mãe o Papai Noel vem não é? Era a Katinha que beijando- me interpelava-me.

Senti um aperto tão grande no meu coração, engoli em seco e numa força sobre-humana tentei esconder as lágrimas que afloravam nos meus olhos, abri um sorriso e beijando cada um deles respondi. –

O papai Noel vem, mas ele tem muitas crianças para levar presente ,É muito longe’ mas vocês são filhos maravilhosos e ele deverá vir, agora vão brincar que a mamãe vai preparar o almoço. As crianças satisfeitas com a resposta retornaram para suas brincadeiras dizendo cada uma do seu jeito o que queriam ganhar.

Levantei- me e só então dei vazão as minhas lágrimas. As perguntas se atropelavam no meu pensamento.

- O que vou fazer meu Deus? O Valdo não arranjou emprego e eu ganhava muito pouco dando aulas particulares.

Tinha cinco filhos que precisavam de meus cuidados, de alimentação, roupas, remédios, como iria fazer se o dinheiro que ganhávamos, mal dava para comer. Eles eram tão pequenos como iriam entender que naquele Natal o Papai Noel não iria deixar presente neste ano foi o ano que mais tinha sido apertado o Valdo saíra da firma e não encontrava emprego às vezes fazia bico. O dinheiro era escasso, mal dava para sobrevivermos, mas Deus proverá pensei. Olhei para o fogão , tinha que preparar o almoço. Cortei o charque em pedacinhos- Vou fazer um cosido – pensei.

Fui no quintal, tirei algumas folhas de quiabo bem ternas , uns maxixes quando já estava entrando na cozinha minha vizinha a dona Zaza chamou- me : uma senhora bonachona embora passasse também necessidade mas ,que sempre estava pronta para ajudar quando as pessoas precisavam e para mim era uma amiga que eu sempre podia contar:

_ Angela olha que eu trouxe para ti com as crianças . Fui ao mercado e tinha muitas verduras que iam jogar fora embora só tivesse alguns pedaços que não estavam bons. Eu pedi e eles me deram. Olha já cortei os pedaços que estavam podres mas veja tem muita coisa que está boa, minha filha é só lavar e cozinhar que estes estão bons.

Peguei a vasilha que ela me estendia e vi quanta coisa tinha agradeci muito feliz pela doação : eram pedaços de cebola, tomate, pepino, batata, pimentão , repolho e chuchu. Abraçando- a carinhosamente disse- lhe:

_ Obrigada Zaza ,muito obrigada mesmo, vou fazer um almoço especial.

Sorrindo falou-me:

_Deus é muito grande minha filha. Ele sempre ajuda a gente que é pobre. Como estão as crianças? Perguntou.

_Estão brincando.

_E o neném?

_Esse mamou e está dormindo.

_E o Valdo já arrumou emprego? Onde ele foi?

_ Ainda não Zaza , ele saiu para ver se faz algum bico.

_ É as coisas estão difíceis pra vocês, mas tenha Fé minha filha que Deus proverá.

_É Zaza o que alimenta meu espírito é acreditar que lá em cima existe um Deus que não abandona seus filhos.

_ Eu também ganhei umas bananas e maçãs vou mandar o Adiel trazer para as crianças, só estão um pouco amassadas , no supermercado eles não querem então jogam fora mas, minha filha a gente aproveita tudo não é?

_ É verdade Zaza.

_ Bom, já vou indo, tenho ainda que preparar o tacacá pra ir vender na banca. Vou aproveitar que tem muita gente na rua pra ver se eu também faturo na venda. Saiu dando risada.

Fiquei olhando-a e agradeci a Deus por haver pessoas que como a dona Zaza repartem o seu pão.

Peguei os legumes lavei- os bem cortando e colocando dentro da panela.

Pouco depois chegou o filho da Zaza o Adiel trazendo as frutas.

Com o almoço pronto chamei as crianças:

_ Vamos tomar banho para almoçar a comida está uma delícia – falei.

Elas vieram ruidosamente, já famintas.

Depois do banho coloquei a comida nos pratos para os três e carregando o Walker levei-o para tomar o seu mingau, deitando- o entreguei a mamadeira dando-lhe um beijo ele deu um sorriso e rapidamente começou a sugar o mingau .

Olhei o Klarc no berço, ainda estava dormindo ,mas com certeza daqui a pouco acordaria com fome. Voltei para a cozinha e quando eu cheguei perto do Diego ele perguntou- me no seu linguajar :

_ Mãe papai nel tas cainho pá mim?

_ Traz filho , papai Noel vai trazer seu carrinho,

_ E a minha boneca também não é mamãe?

_ E a minha não é mãe? As meninas perguntavam .

_ Filhotinhos o pai de vocês foi ver se fala com o papai Noel para trazer os brinquedos mas, se ele não encontrar.. Fui bruscamente interrompida.

_ Não , não mamãe o papai vai falar com ele - afirmaram as meninas com uma certeza que fiquei sem forças para argumentar.

_ Tudo bem, então vamos comer direitinho e esperar o papai chegar ,aí vocês perguntam para ele está bem assim ? –falei

_ Tá bom , eu vou comer tudinho.- falou Paulinha.

_ Eu também. _ disse a Katinha.

_Eu também né mãe? O Diego falou com uma vózinha que parecia uma súplica do que uma afirmação.

Beijei- o e respondi:

_É sim meu filho.

Quando terminaram de almoçar ouvi umas batidas na porta. Atendi , era o Valdo . As crianças que tinham seguido- me correram ao seu encontro enchendo- o de perguntas. Abraçando- as explicou que ainda não tinha conseguido mas, que almoçaria e depois iria falar com o papai Noel. Satisfeitas com a resposta o deixaram .

_ A situação está braba – falou .Fiz um serviço mas eles não me pagaram. Só depois do Natal que eu vou receber mas, vamos ver o que vai acontecer daqui pra noite. Eu vou voltar lá e ver se recebo pelo menos a metade.

A chuva continuava agora mais fina.

O Klarc acordara , estava com fome. Tirei- o do berço e o alimentei.

Já eram quatro horas quando o Valdo falou- me:

_Vou ver se consigo alguma coisa para poder comprar os presentes das crianças .

Levei- o até a porta e dando- me um beijo saiu. Fiquei por alguns minutos olhando a rua , a chuva começara a engrossar novamente, mesmo assim os fregueses lotavam as lojas e o supermercado Alvorada que ficava quase em frente de casa. As músicas natalinas se ouvia por toda parte e nesse instante veio à tona em minha memória os Natais na casa do meus pais. A alegria, os presentes, a ceia, os abraços...quanta saudade! Eu aqui tão longe. Senti um aperto no coração. As lágrimas desciam na minha face e uma tristeza imensa invadiu meu coração.

Enxuguei as lágrimas e voltei a cuidar da casa e dos filhos.

Anoitecera...

Um som de buzina começou a tocar insistentemente. Prestei mais atenção. Notei que vinha de algum carro na frente de casa.

Como não parava de tocar fui ver, mas antes que eu chegasse na porta começaram a bater nela.

Abri. Era o Muru, um amigo nosso, estava todo molhado.

- Entra logo a chuva está muito grossa - falei.

- O Valdo está ai.? - Perguntou ainda na porta.

- Não. Ele esteve aqui, mais saiu.

Em vez de entrar ficou acenando para alguém que estava num carro, no meio da rua, porque devido a chuva a frente da casa era uma enxurrada só.

- Ele não está !- gritou.

- Angela você tem um guarda-chuva?- perguntou.

- Tenho.

- Então traz para mim.

Estranhei o pedido pois ela já estava todo molhado, mas rapidamente peguei o guarda-chuva e entreguei para ele.

Fiquei curiosa com aquilo. As crianças ficaram agitadas querendo olhar na porta e eu não deixava. Como a chuva o vento também estava muito forte resolvi encostar a porta.

Alguns minutos se passaram, quando ouvi novas batidas.

Novamente abri. Para minha surpresa deparei-me com um monte de brinquedos entrando porta a dentro vindo nos braços do Daniel e do Muru.

Fiquei de boca aberta com tantos presentes.

_ Feliz Natal crianças ! nós estamos ajudando o Papai Noel.- disseram sorrindo.

Nunca esqueci a felicidade que vi nos olhos deles entregando os presentes nem tão pouco os dos rostos dos meus filhos.

Fui correndo buscar uma toalha mas o Daniel disse:

- Não Angela, não é preciso. Nós ainda vamos entregar presentes para outras crianças. Estamos com pressa. E saindo entraram no carro. Nesse instante foi que eu percebi que estava cheio de brinquedos.

Quando o carro partiu ainda gritaram:

- Viva o Papai Noel! Feliz Natal! Ho, ho, ho.

Tranquei a porta. Olhei para meus filhos a alegria estampada nos quatro rostinhos.

O meu coração exultou de alegria.

Passado algum tempo o Valdo chegou.

As crianças correram para ele mostrando os brinquedos e da maneira deles dizendo o que tinha acontecido.

Ele então olhou-me e meio sem jeito falou-me que tinha estado com o Muru e o Daniel e mais outros amigos e que confidenciara para o Daniel o que estava se passando. Estranhou pois alguns minutos depois ele disse que tinha um compromisso urgente e chamando o Muru foram embora logo.

- Amanhã vou falar com ele e agradecer. É esse é amigo mesmo.- falou .

No dia de Natal o Daniel apareceu trazendo uma garrafa de vinho e um panetone. Foi então que ele explicou tudo. Depois que o Valdo tinha dito que não recebera e não sabia como ir para casa sem Ter comprado nenhum presente é que teve a idéia. Então chamou o Muru e falou no caminho que o ajudasse a comprar presentes pois queria fazer algumas crianças felizes. E assim fizeram.

- É nunca me senti tão feliz embora com toda aquela chuva,- falou eufórico.

Depois de conversarem bastante ele se despediu.

Isso foi a muitos anos atrás, meus filhos cresceram ,porém na véspera de Natal este episódio sempre retorna a minha memória quando vejo a ceia e ouço crianças falarem que estão esperando Papai Noel.

- É, eu acredito que existe um Deus e ele se manifesta na solidariedade humana.

Ananindeua, 22/12/04 - 02:00

Angela Pastana
Enviado por Angela Pastana em 19/12/2009
Código do texto: T1986215
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