Manhã de domingo
Manhã de domingo. Acordei, mas em recusei a abrir os olhos. Preguiçosamente, girei para o outro lado da cama, girei de volta. Abri os olhos. Um barulho na cadeira do meu birô me despertou. Vagarosamente, levantei-me para verificar. Quando me vi tendo convulsões no meio do quarto. Dei-me um tapa. Acorda! Outro tapa. Acorda! Não adiantou.
O mais rápido que pude me vesti e saí dali. A campainha toca. Peguei o interfone. Alô? Alguém aí? Ninguém responde. Moleques. Fui até a porta para ter certeza. Ninguém. A não ser eu. Peguei o celular e digitei um numero que não consegui identificar. O telefone toca. Minhas mãos suavam. Meu coração batia acelerado. Tremo como nunca antes. Tomei o telefone. Quem fala? Alô? Fala alguma coisa! O desespero me dominou. A campainha. O quarto. Corri para a rua disposto a fugir de mim na porta. Ninguém na rua.
Ao longe, alguém se aproximava cantando. Eu. “De muito gorda a porca já não anda, de muito usada a faca já não corta, como é difícil, pai, abrir a porta”. Bom dia. Ele, eu me disse “bom dia”. Não ouso segui-lo, seguir-me, com os olhos. Ao longe alguém se aproximava cantando. Eu. “Essa palavra presa na garganta, esse pileque homérico no mundo, de que adianta ter boa vontade, se cala o peito ainda resta a cuca dos bêbados do centro da cidade”. Bom dia. Ele me disse “bom dia”. Não ouso segui-lo com os olhos. Ao longe, alguém se aproximava cantando. Eu. “Pai, afasta de mim esse cálice, pai, afasta de mim esse cálice, pai, afasta de mim esse cálice de vinho tinto de sangue”. Bom dia. Eu me disse “bom dia”. Não ouso seguir-me com os olhos. Ao longe alguém se aproximava cantando. Eu. “Talvez o mundo não seja pequeno, nem seja a vida um fato consumado, quero inventar o meu próprio pecado, quero morrer do meu próprio veneno”. Bom dia. Bom... Eu me disse “bom dia”, e eu quase. Não ouso seguir-me com os olhos. Ao longe, alguém se aproximava cantando. Eu. “Quero perder de vez tua cabeça, minha cabeça perder teu juízo quero cheirar fumaça de óleo diesel. Bom dia. Bom dia. Dissemo-nos “bom dia”. Ouso seguir-me com os olhos. “Me embriagar até que alguém me esqueça”. Vejo-me levar uma garrafa a boca e parar como uma música pausada. Distancio-me parado, desaparecendo e reaparecendo cada vez mais distante. Uma. Duas. Três vezes. E sumo.
Toda essa confusão me desgastou. E essa dor de cabeça. Fui a um bar próximo para espairecer. Sentei-me ao balcão ao lado de um homem de boné entretido com a borda do copo vazio. Não o reconheci. Você tem um problema. Ele disse. Como? Você tem um problema, só eu posso ajudá-lo. Ele fala sem tirar os olhos do copo, isso me incomoda. Problema? Eu não tenho nenhum. Tento despistar. Tem certeza? Ele levantou o rosto. Sou eu! Com o susto fui ao chão. Quando me levantei, eu não estava mais lá. Eu já não estava em lugar nenhum.