SE O PRESENTE É PARA O MEU FILHO, EU BRIGO!

SE O PRESENTE É PARA O MEU FILHO, EU BRIGO!

O menino ao ouvir as músicas de Natalina, saía sorrateiramente de casa, corria para o coração da cidade, se embevecia com o colorido das luzes espalhadas pelas lojas e se embasbacava com os inúmeros e diferentes tipos de brinquedo.

Após a paralisação momentânea – levada pelo encanto -, ele arregalava os olhos, mexia em um, noutro, e em outro, como se a escolher o mais apropriado ao bolso, ou o de mais beleza, ou o mais moderno. Porém, ficava no mexer. E, muitas vezes, algum vendedor ralhava, pois percebia que ele não estava acompanhado dos pais, roupa indicando pobreza e sabia-se que ali não se teria uma venda.

Triste, o garoto evadia para a praça mais próxima, sonhava com um daqueles brinquedos sendo embrulhado e imaginava mostrando-o a todos.

Com o olhar brilhando de esperança, ele fitava o Papai Noel que se movimentava em frente à loja. Pedia-lhe em pensamento que lembrasse dele e dizia-lhe como em oração: “... que ao acordar, na manhã de Natal, meu presente esteja debaixo de minha rede. Amém”.

A mãe atentava-se para o alvoroço do menino. Percebia que ele a espreitava ansioso e rubro, embora quedasse silente – ele sabia do amor da mãe, das dificuldades que ela enfrentava e, que, muitas vezes não tinham a mesa posta quando das refeições.

A mãe chorava – às escondidas – de um lado. O filho chorava – à distância – de outro lado. A mãe chorava, porque vendo o olhar pedinte e compreensivo do filho, não podia satisfazê-lo. O filho se desmanchava em lágrimas porque, verificando outros garotos nas bicicletas, exibindo carros barulhentos e a controle remoto, ele nem sequer podia se aproximar: com o egoísmo na ponta da unha, a garotada agarrava o brinquedo, saía depressa, como se pressentisse que seria roubada.

D. Natividade Natalina Forte fora até o comércio BRILHANTE. A movimentação demonstrava a efervescência das vendas. Carros do ano encostando. Madames bem vestidas. Ouros cintilando fortes reluziam nos olhos de dona Natividade. Esta se sente tímida, deslocada. Os vendedores quase se ajoelhando aos pés das damas da soçalaite, se alternavam em solicitudes. Para Natividade, olhavam de trejeito – por desconfiança, medo de que ela pudesse larapiar algo.

Às madames, serviam café com bolos... Para a senhora Natividade: “Por favor, a senhora está atrapalhando, não gostaria de ver vitrines, observar outras lojas...?”

- Eu gostaria de falar com o Gerente!

- Ele está ocupado, conversando com a esposa do prefeito.

- Será que ele demorará?

- A senhora não gostaria de ir a uma outra loja?

- Bem. Ele pode resolver o meu problema.

- Se é esmola... Acho... A loja está cheia, a senhora não percebeu que estou deixando de atender os clientes?! Que estou perdendo gorjetas?!

Natividade fica vermelha. O sangue – às lufadas – desanda em direção à cabeça. Ela tenta lutar, com todas as forças, contra a ferocidade a saltitar latente. Não consegue. Como se estivesse servindo de intermediária entre este e o mundo invisível; como se alguém do lado de lá tomasse as rédeas da situação, ela destemidamente começa uma oratória, mais tarde discutida em esquinas, bares, lares e meios de comunicação.

- Meus senhores e minhas senhoras. Apesar de estarmos no Século XXI, o homem, salvo uma minoria, ainda continua estufando o peito em orgulho e egoísmo. Considera peças de roupa e joias o que há de mais importante, somando-se a isso, sexo e poder. E se um semelhante não se apresenta vestido numa roupa de marca, não desfila pelas ruas só após passar por um salão de beleza e pelo corpo não exibir destacado rubi, ele é tido como um súcia, imediatamente desprezado.

A loja parou. Uma arena fora feita. Quem passava em frente à elegante empresa entrava. O gerente vendo o alvoroço, tirou o bumbum da cadeira para assuntar o que estava acontecendo. Os funcionários tentavam acalmar a senhora. Surgiram os que queriam impedir o discurso à força... Apareceram também os defensores de Natividade. Assim ela continuou.

- Eu vim aqui porque meu filho – como qualquer outro do mundo – merece um presente de Natal. No entanto, eu não tive a sorte ou não usei de meios escusos, como muitos deste país, para ser graduada em conta bancária rechonchuda, tal qual, com certeza, como muitos dos que aqui estão sendo recebidos à base de café, bolos, ou seja, tratamento cortês.

E continuou: – eu vim a esta loja na esperança, como mãe que ama o filho, de conseguir comprar algo que alegre o coração do meu garoto amado, esperto, estudioso... Porém, eu fora recebida com desconfiança, olhares atravessados, como se vissem em mim uma ladra, uma esmoler. Maltrataram-me.

Ela não parava: - Enquanto muitas madames que estão nesta loja, neste exato momento, vivem atoladas num salão de beleza, eu dou o duro lavando e passando roupas... E para ganhar um mísero salário. Eu pago imposto e taxas como todos os presentes neste recinto e neste país.

Ela se emocionou. Chorou. Tímidos aplausos soaram no ar. Porém o som da sirene do carro da polícia chamou a atenção da plateia. Muitos saíram apressados. Natividade estremeceu. Apesar de, não perdeu a pose. Os soldados, cacetes na mão, abriram espaço, invadindo a área. O gerente logo se apresentou dizendo: “essa mulher (apontando-a) está fazendo discurso promovendo motim. E eu já soube que produtos foram roubados por conta disso. Dessa...

- Por causa dessa comunista, mendiga, coitada... Completa, Sr. Gerente!

Os policiais partiram para a Sra. Natividade... Um homem bem vestido surgiu, como um relâmpago, tomou a frente de Natividade e disse:

- Eu sou Dr. Ângelo dos Anjos de Jesus, advogado desta senhora. Se alguém mexer com ela sem passar pelo crivo legal, eu entro com processo...

- Recebemos telefonema do gerente da loja – afirmou um policial.

Então, que apresente queixa na delegacia, tragam intimação por escrito. Sr. Gerente. Aqui temos muitas testemunhas de que minha cliente...

- Natividade...

Minha cliente Natividade não fez, até o presente momento, nada que possa desonrá-la. Muito pelo contrário, só queria comprar um presente para o filho. Alguém discorda do que ela disse?

Silêncio.

Uma dama quis se alterar: “Ela nos atacou...”

A senhora não fica horas no cabeleireiro? Quantas vezes a madame vai para a beira do fogo, para a fonte machucar, sujar suas mãos bem tratadas, lavando roupa, por exemplo? – Perguntou o advogado.

A dama calou-se.

- Sr. Gerente. Se os seus funcionários não tivessem tratado com indiferença, achado que minha cliente é uma ladra, nada disso teria ocorrido. Os aproveitadores não teriam levado produtos, como o senhor disse que levaram. Quem merece processo é a loja, que tratou mal uma trabalhadora, uma pessoa que viera no intuito de comprar. No entanto, os seus empregados olharam primeiro a roupa, a humildade de dona Natividade. O dinheiro dela é diferente dos outros que entram para adquirir produtos? Digamos que ela tenha vindo para comprar fiado, pedir para dividir a compra em prestação. Ainda assim, ela não podia receber o tratamento que recebera. Bastava dizer, delicadamente, que a loja não trabalha dessa forma. Embora se saiba que neste país todas as lojas fazem questão de vender fiado. Assim sendo, aqui houvera um caso de desprezo, humilhação, puramente social. Entretanto, Sr. Gerente. Nós podemos ser generosos. A loja pede desculpas em público pelo acontecido e oferece o presente que minha cliente escolher. E Natividade – se assim aceitar – encerra o caso, põe uma pedra em cima do que acontecera.

Gritos... Aplausos. Lágrimas de dona Natividade...

Algumas pessoas que quando viram a polícia, se retiraram assustadas, ao longe oravam. Ao perceberem que a polícia se retirava sem jogar a senhora dentro do camburão policial, alegraram-se. E não fora com tamanha alegria e gritos de viva! Viva! Viva!... Que observaram a saída de Natividade. Vinha abraçada ao advogado, pacotes na mão.

Corre-corre: todos queriam saber o que acontecera.

A sabedoria, a fé, a retidão subiram ao altar naquele tarde de véspera de Natal.