"O CACHORRO E A CAGADA" Conto de: Flávio Cavalcante
O CACHORRO E A CAGADA
Conto de:
Flávio Cavalcante
Mais uma história do nosso sertão nordestino e posso assegurar a veracidade, pois eu presenciei esta situação de perto. Em uma de minhas andanças pelo sertão de Alagoas, a cunho de pesquisa sobre costumes e vocábulo de regiões, para escrever minhas obras com temas da região, aprendi nesse lugar humilde coisas que anos de escrita e pesquisas nem imaginava que existia.
Depois de andar algumas léguas sertão á dentro uns quarenta a cinqüenta quilômetros da cidade de Delmiro Gouveia em Alagoas, cidade que já é divisa de Sergipe e Bahia. No local onde fiquei, na fazenda são Francisco de Assis, propriedade de um grande amigo, este que me presenteava todos os fins de semana com uma hospitalidade extraordinária.
A fazenda tinha este nome devido ao Rio São Francisco cortar suas terras nos presenteando com um banho delicioso pra baixar o calor que lá é intenso. Quem nunca teve noção do que é um paraíso natural, só indo num lugar primitivo como este. Não vai querer sair nunca mais de lá. É realmente algo encantador.
A comida era preparada por dona Maria, empregada da fazenda e também moradora do lugar. Era mulher de seu Severino, trabalhador rural que cuidava da gado e da plantação.
Eles moravam do outro lado do rio e atravessavam de canoa, uma embarcação rústica feita de madeira, típica do lugar. No final da tarde depois que dona Maria terminava os afazeres domésticos e seu Severino terminava o seu trabalho braçal. Os dois eram analfabetos, mas, conhecia aquelas terras quentes como ninguém.
Coisa linda de se ver mesmo é o luar do sertão. Meus caros amigos recantistas; é indescritível a beleza que é. Numa dessas noites estávamos todos á beira do rio tocando violão e dona Maria que não escondia a sua paixão por uma cachacinha feita do lugar. Sabendo ela que ia ter cantoria, levou sua garrafa de pinga embaixo do braço e algumas panelas com tatu, feito no tempero da região.
Depois de alguns goles da famigerada cachaça, a velha começou a achar graça em tudo que via pela frente. Olhou pra seu Severino. E disse.
EU VOU CONTAR...
Seu Severino de olhos arregalados. Repreendeu a dona Maria...
MUIÉ... DEIXA ISSO PRA LÁ... É FEIO, MARIA... (Disse seu Severino já querendo ficar vermelho de vergonha).
EU VOU CONTAR ASSIM MESMO! (Ela insistia em desembrulhar tudo).
Seu Severino foi comer uma peixada na casa de um compadre deles chamado Ozório. E depois que comeu o peixe, a espinha ficou presa na garganta do seu Severino e ele chegou em casa passado mal. Tomou vários remédios, comeu farinha seca, levou muito tapão de dona Maria nas costa, tudo pra ver se a espinha saía. Nenhuma tentativa deu certo. Dona Maria, também nordestina e experiente teve a brilhante idéia do seu Severino pôr o dedo na garganta pra provocar um vômito e daí, por obra da natureza a espinha aproveitar a enxurrada de porcaria e cair fora da garganta daquele homem que estava quase á beira da morte, por causa de uma maldita espinha do peixe que ele havia comido. E assim o seu Severino fez. O com sucesso causou até aplausos vindo de dona Maria.
Só que ele sem perceber, até por causa da ânsia do vômito. Derrubou no chão além de toda porcaria, espinha e também a sua dentadura que já estava há muito tempo precisando de um produto fixador, pois segundo a dona Maria, a velha dentadura ficava dançando na boca dele e muitas vezes ele teve que sair procurando por aí, porque ela caía sem que ele percebesse.
Dessa vez foi mais cruel ainda. A família criava um cachorro magricela de tanto passar fome. E quando a porcaria do seu Severino estava espalhada pelo terreiro, o vira-lata viu ali o banquete da vida dele e começou a comer, inclusive a dentadura, que não deixou de ficar sorrindo pro cão o tempo todo e o cachorro rosnava pensando que aquela chapa estava sorrindo dele. Dona Maria contando isto. Ria que não conseguia se controlar, e eu chorava de tanto rir com a seriedade de seu Severino, que só ficava calado escutando a história.
Quando seu Severino veio dar conta de seus dentes, já estava quase sem, pois o vira-lata já havia degustado quase todos, deixando-a quase como a boca de seu Severino de forma original. Banguela.
Ele entrou em desespero e bateu muito no animal, que apanhou; mas estava feliz e de barriga cheia.
Dona Maria era quem dava as idéias dentro de casa e sempre dava certo o que ela falava.
Lá no sertão do nordeste, quando algum animal está com problemas de defecar, eles usam uma misturada de ervas, que lá ele conhecem por “CRISTÉ”, uma espécie de purgante e é aplicado ou via oral, ou pelo ânus do animal com uma mangueira enorme. Como foi idéia de dona Maria, seu Severino pegou o cachorro prendeu na coleira e todos ficaram esperando o vira-lata dar uma cagadinha, pra eles irem catar dente por dente e levar pro doutor colar. E assim foi feito genialmente deu tudo certinho conforme a dona Maria se programou.
O cachorro deu a dita cagada, eles cataram todos os dentes, o doutor colocou tudo no lugar onde estava e seu Severino está aí, sorrindo pra todo mundo novamente. A dona Maria até nos dias de hoje, faz questão de contar essa façanha e chora de rir toda vez que conta como se fosse a primeira vez a contar o episódio.
A CULTURA DO POVO DO NOSSO NORDESTE É UMA GRANDE RIQUEZA DO LUGAR
- FIM -