BUSCA DA ESPIRITUALIDADE
BUSCA DA ESPIRITUALIDADE
Mariano nasceu em família católica. Seus pais eram assíduos frequentadores da igreja. Principalmente sua mãe, sem ser beata ou carola, era extremamente devota e cumpridora das alegorias que sua religião lhe impunha. Podia ser vista e tida como uma mulher cristã. O pai sempre a acompanhava em suas idas à missa, mas não passava de um fiel acompanhante. Mas cumpria o dever cristão de sustentar a família. Prestava mais culto ao trabalho e às coisas materiais. Para ele, um pai de família era bom pai quando provia os recursos necessários para a boa sobrevivência, com conforto, haja vista ser um homem de boa situação financeira e cioso no cuidado do seu ramo de negócios.
Assim Mariano cresceu e viveu em família, tendo no pai seu ídolo maior e espelho para projetar sua vida futura. Ainda no início da adolescência, por insistência da mãe, foi internado num seminário para formação de sacerdotes católicos. Mas, alguns anos depois, com a intuição de que não se sentiria bem como sacerdote, saiu desse estabelecimento de ensino. Tomou essa decisão porque muitas das teorias propostas pelos padres por verdadeiras, não combinavam com seu raciocínio. Talvez, até, quem saberia dize-lo, fora esse o motivo da confusão que se instalou em seu cérebro quanto à sua identidade religiosa.
Com 22 anos de idade já estava casado, vindo a morar na cidade “A”. Vivia em relativa harmonia com a esposa, mas sem um grande amor ou uma arrebatadora paixão. Ela também era de família católica. Nasceram duas filhas dessa união. As meninas foram crescendo e encaixavam-se dia a dia mais no esquema de vida dos pais. Estes, os pais, sem ser exímios executores do catolicismo, deram às filhas o exemplo de vida e, como eles, cumpriram, no tocante à religião, o estritamente necessário para serem consideradas católicas. Depois dos estudos preliminares, cursaram direito e trabalharam. Tudo isso aconteceu quase à revelia do pai quanto à preocupação com a espiritualidade da família. Ele, o Mariano, esteve mais preocupado com a confusão espiritualista que muito cedo nele se instalou.
Começou, então, a migração por outras seitas religiosas. Foi sentir o que oferecia para sua compreensão a Igreja Assembléia de Deus. Com algumas variações, nada lhe disse de verdadeiro. Sua razão não podia aceitar por verdadeiros, entre outras premissas, os demônios também nela contidos. Também não aceitava as cobranças financeiras que nessas igrejas avolumavam as contas bancárias dos pastores. Outra foi a decepção de que foi tomado frequentando a Igreja “Testemunhas de Jeová”. Se Sócrates, quatro séculos antes da vinda do Cristo, já teve noção definida da alma individual, com cuja teoria sua razão estava concorde, ele não admitia a teoria de um bolo espiritual global.
Enquanto seminarista seus mestres proibiam aos prosélitos as leituras de livros com informações espíritas. Mas, escondido, folheara alguns textos e achou interessantes os conceitos dessa doutrina científica. Ficou, porém, no esquecimento essa experiência.
Foi nessa época, quando Mariano já se encaminhava para os trinta anos de idade, que caiu em suas mãos – novamente – a literatura kardecista. Já se leu, aqui ou ali, que nada acontece por acaso na face da terra. Esses reticentes encontros com os livros falando de espiritismo, nada mais foram que sementes que estavam sendo semeadas, talvez em solo ainda despreparado, mas que iriam germinar e dar frutos, se chegada a época certa, se o solo estivesse apto para nele se firmem as raízes. Foi fugaz, porém, seu interesse por essa doutrina filosófica. A seguir estudou confucionismo, budismo, islamismo e a filosofia contida em seixonoiê. Em todas essas doutrinas achou seixos que, ao andar sobre eles, faziam que suas ideias escorregassem e caíssem por terra. Nada de realmente notável e forte encontrou, a não ser no budismo, enquanto religião, viu maior veracidade.
Mariano concluiu que um grande aprendizado proporcionara-lhe essa sua migração por diversas seitas religiosas. O curioso é que, depois de se ter demorado algum tempo ausente, perambulando pelos vastos palcos de várias religiões, sentiu-se feliz quando voltou, vinte anos depois, a interessar-se novamente pela literatura espírita de Alan Kardec. Apesar de que, até o presente, depois de alguns anos que seus interesses espirituais adejassem, aqui e ali, sobre outras seitas religiosas, eles convergissem novamente para a Doutrina Filosófica e Científica do espiritismo, ainda não estava pronto para abraçá-la, porque viu agravar-se o quadro de confronto com problemas familiares. E esses problemas, se bem que da ordem de afinidade conjugal, viu-os fundados em raízes do plano espiritual. As filhas cresceram e estudaram; ganharam vida própria. E, com isso, cada uma escolheu o seu caminho. Os discordantes climas entre o casal tomaram maior proporção e as agressões, até físicas, aconteceram por parte da esposa. O pior dessas disputas internas foi o momento em que a filha mais velha tomou o partido da mãe. Desde então não houve mais clima de união conjugal, como de fato, algum tempo depois, Mariano foi posto para fora do lar. Consumido pela tristeza e o desalento por causa do desfecho que tomara seu casamento, ele foi morar em outra cidade, que denominaremos de “B”. Foi nessa época que Mariano teve nova experiência. Alguns amigos leais falaram-lhe de problemas conjugais que poderiam ter raízes em vidas passadas. Mas, no momento, não lhe incomodaram esses conceitos.
Em sua nova morada, um quarto de pensão na cidade B, só em seu desalento e momentaneamente desorientado, tendo por companhia ratos e baratas, Mariano iniciou a busca dos meios de solução do seu problema conjugal pelas vias das leis dos homens, nada tendo conseguido de concretamente positivo, no momento. O não acerto conclusivo residia na divisão dos bens do casal, dos quais, mãe e filha exigiam houvesse desistência por parte dele, da residência situada na cidade A. Ocorre, porém, que essa residência constituía-se no único bem de raiz do casal. Com essa proposição, o desistente ficaria somente com o carro da família e isso lhe parecia sem nexo pelo prisma do plano terreno, haja vista ter passado grande parte da sua vida trabalhando e poupando para construí-la.
Ocorre que em suas constantes idas para a cidade “A” para tratamento da sua saúde, seriamente abalada, e voltas para a cidade “B”, Mariano fez alguns amigos. Pelo menos dois deles inspiraram-lhe tal confiança que, em suas conversas mais prolongadas, citou tópicos da sua história familiar. Foram várias as sugestões, surgindo novamente a teoria das culpas havidas em vidas passadas. Por outro lado, encaminhava suas buscas pela religiosidade, ainda não definido o seu plano espiritual. Embora pendesse, e cada vez maior era o seu interesse pela doutrina espírita, muitas perguntas ficaram sem respostas. Sua curiosidade aguçou-se para saber o que fizera em outras vidas. Foi nessa época que ouviu falar no nome de uma para-psicóloga que fazia regressões e a ela se dirigiu na cidade D. Ficou sabendo por essa profissional respeito a todas as suas vidas pregressas. Uma delas, porém, lhe chamou a atenção. Fora um soldado do exército de um determinado país. Em suas relações amorosas engravidara uma moça. Mas ele não se achando em condições de criar uma família, mandou que ela abortasse o filho. Com severas relutâncias, a moça fez o aborto e morreram mãe e filho nesse ato. A princípio essa revelação nada lhe trouxe de inteligibilidade concludente. Para ele isso foi somente mais uma informação da profissional que fez a regressão, nada mais.
Em mais uma conversa com um desses fiéis interlocutores, o Mariano revelou o fato ao amigo. Acontece que ele era adepto do espiritismo com algum conhecimento mais aprofundado. Vieram, então, explicações sobre o que poderia significar sua desavença com a esposa e a filha. Para o amigo estava claro que não se tratava de uma simples defesa da filha para com a mãe. O caso era mais profundo. Para ele era a reencarnação das duas que haviam morrido naquele parto, que o Criador permitira que acontecesse para haver uma possível reconciliação, um resgate. Haveria, porém, a necessidade de esforços inauditos por parte dos três espíritos para, por seu livre arbítrio, compreenderem a situação e perdoarem-se mutuamente.
A esta altura dos acontecimentos, a esposa do Mariano e suas duas filhas também aderiram à filosofia espírita. E mais do que isso. Sentindo uma das filhas, exatamente a mais velha, aflorarem-lhe dons mediúnicos, frequentaram uma casa doutrinária do espiritismo na cidade A. Acontece que, nem assim, se lhes abrandou o ódio que sentiam. As duas, mãe e filha, tudo faziam para hostilizar, tornando a vida do Mariano um verdadeiro campo de expiação. Até sua morte planejaram com o concurso de terceiros. Para sorte do homem, esse atentado – que devia parecer mais um simples acidente de trânsito de um motorista alcoolizado – pois foram encontradas pelos policiais que atenderam o sinistro, 2l latas de cerveja no carro. Essa possibilidade foi desmentida pelos amigos leais do Mariano que, para sua sorte, no momento estavam presentes. Talvez o fato da presença dos amigos fosse mais um desses arranjos do plano Divino, dos quais não temos noção do como e do por que eles acontecem. O fato é que alguns amigos que com ele conviviam há muitos anos estavam naquele lugar exatamente quando aconteceu a capotagem. Quando foram solicitados para esclarecer o fato, disseram às autoridades que era pouco aceitável o fato, visto que o acidentado dificilmente bebia cerveja. Quando esporadicamente tomava uma, não bebia a bebida de latinha. Somente de garrafa e que sua bebida preferida era o vinho, de que só fazia uso no almoço e, por vezes, de tardezinha, na cantina perto da sua casa.
De posse dessas informações, seu amigo espírita esclareceu-lhe o caso das obsessões; o da concorrência de espíritos levianos, inimigos de outras encarnações, ou, simplesmente, espíritos amigos de outras vidas, também perversos, dos encarnados nas duas mulheres, etc. etc. Esclareceu-lhe que, mesmo dizendo-se espíritas, isso não quereria dizer que o fossem realmente. O verdadeiro espírita é batalhador do seu próprio plano espiritual e, por conseguinte, da do seu próximo, não devendo, por isso, praticar o mal. Que, para ser-se um bom e honesto espírita, faz-se necessário sentir-se como tal, praticando sempre e somente o bem; tem que seguir os exemplos que o Divino Mestre Jesus nos deixou, principalmente, o maior de todos os mandamentos: “amar a Deus sobre todas as coisas e ao próximo como a si mesmo”, perdoando-lhe suas faltas, para ser, também, perdoado; que, sem esse perdão mútuo, não haveria possibilidade alguma desse resgate, visto que os dois (ou os três espíritos), ora encarnados, continuariam sendo ferrenhos inimigos.
Esclareceu-lhe, ainda, esse amigo que esta vida terrena é um resgate de nós mesmos. É-o, principalmente, em se tratando de reencarnação no Planeta Terra, que é um mundo de expiação das culpas adquiridas em outras vidas. Esta encarnação dos três protagonistas numa mesma família e, ainda mais, da forma como se separam em outras reencarnações, só existe a possibilidade do perdão profundo e sincero por parte de Deus se todos eles se esforçarem nesse sentido no plano terreno. Só há um caminho a trilhar. Há de se ter muita abnegação, muita humildade e coragem; muito esforço há de ser dependido, e há de se fazer da vida futura o seu mirante e seu alvo para que isso seja possível, não levando essas pendências a serem resolvidas somente em ulteriores encarnações. Presume-se que a missão desses três espíritos na atual vida terrena é exatamente esse resgate através do mútuo e pleno perdão.
Segundo Mariano, o divórcio do casamento ministrado pelos homens, uma vez que não houve a participação do Plano Divino infundindo amor nessa união, está por ser homologado. Falta saber se as partes litigantes, principalmente as duas mulheres, aceitam de boa vontade a venda do imóvel determinada pelo juiz, repartindo o valor auferido em duas partes iguais, perdoem-se mutuamente e dêem o caso por encerrado, já que nada mais os liga neste plano terreno.