Religião Virtual
Todos os dias antes de dormir, como uma obrigação, sentava-me na frente do pequeno monitor e começava a conexão. Abria uma, duas, três... às vezes até dezenas de “janelas” distintas, uma para cada “serviço”.
Começava a digitar as senhas, conferia os recados não lidos, os depoimentos pendentes, os novos seguidores no Twitter, as atualizações do Facebook, os comentários nos blogs, os vídeos mais acessados no Youtube, as novas músicas no MySpace, as fotos recentes dos fotologs..., e apenas depois de tudo isso, poderia deitar-me em minha cama e dormir.
Não que aquilo me fizesse bem, era algo que eu me sentia forçado a fazer. Chegava a se comparar à minha infância, quando minha mãe, extremamente católica, me obrigava a ficar de joelhos próximo à minha cama, e rezar ao menos uma vez o terço inteiro, caso o contrário, sofreria dos mais diversos castigos, tanto físicos como espirituais.
Não, não era como religião, já havia se tornado uma! A Religião da Net, a qual se eu tentasse me negar a participar, seria barrado dos grupos de amizade, talvez demitido do meu emprego, excluído definitivamente da sociedade. Nunca conheci nenhum corajoso que se atrevesse a negá-la, porém, tenho quase certeza de que as conseqüências para quem tentasse seriam comparadas ao Inferno de que minha mãe tanto falava.
Não era apenas nesses aspectos que a Religião da Net se assemelhava com as outras religiões – hoje chamadas de arcaicas. Nós nos reuníamos em “templos” enormes, porém, diferente do catolicismo, não era apenas aos domingos, e sim todos os dias! As reuniões – que alguns consideravam rituais – eram longas e cansativas, as pessoas, mesmo estando em um mesmo ambiente, não se olhavam, se falavam apenas pelo Messenger, que cada um possuía instalado em sei “Iphone”. Não debatíamos sobre os fatos da vida, sobre assuntos normais, como política ou futebol, apenas discutíamos sobre tecnologia e os avanços que a mesma realizava todos os dias.
Todos naqueles lugares eram dependentes, viciados nos mais diversos tipos de tecnologia. Todos os “devotos” eram vigiados por “hackers” que sabiam todos os seus passos, todos os sites que você acessava. Cada templo tinha o seu hacker principal, mas, diferente dos padres católicos, eles não conversavam com os freqüentadores do templo, apenas vigiavam-nos como poderosos robôs, para caso algum deles decidisse ir contra alguma das leis impostas pela Religião da Net, sofresse as devidas punições.
Os hackers eram comandados por uma “força maior”, que não era chamada de Deus, Cristo, anjo, santo ou coisa parecida, e sim “Moderador”. Ninguém nunca o vira, ninguém sabia como ele era ou com o que se parecia, sabiam apenas que deveriam obedecê-lo, ser submissos a ele, para não sofrerem as graves conseqüências, as quais ninguém sabia ao certo do que se tratava, mas todos temiam.
Vivi até hoje no que me pareceu uma eterna esperança de uma revolução. Porém, hoje, mesmo sozinho, partirei atrás de mudanças, quebrarei as correntes da sociedade.
Posso ir parar no “Inferno” virtual, posso até ser exilado do mundo em que vivi até hoje, mas não poderia morrer sem tentar mudar isto. Hoje, antes de dormir, não verificarei meus e-mails, não abrirei meu Orkut, meu MSN ou meu Twitter. Começarei a revolução da humanidade: invadirei o sistema do “Moderador”.