CARA OU COROA

Um vestido cor de framboesa com flores bem miúdas. Três babados que gastaram nada menos que uns três metros de tecido. Entre eles, fitas bem estreitas de um azul-turquesa combinavam com a cor das florzinhas. Mas faziam certo contraste com todo o vestido.

Outro vestido... Este vermelho com flores brancas e também miúdas. Vieses brancos faziam o contorno de um recorte junto ao busto e separava um pequeno babado ao final da saia levemente justa.

Mãos de estilista profissional por natureza desenharam os modelos em sua mente inteligente. Costureira experiente os confeccionara. Tanta perfeição nos detalhes só podia ser mesmo coisa de minha mãe. Depois de prontos, uma indecisão. Como decidir qual deles vestir primeiro? Meu pai assumiu essa tarefa como se fosse uma questão de tribunal. Exageros.

Uma moeda é jogada ao alto. Cara ou coroa? Arma infalível nesses momentos de indecisão. Coisas de meu pai.

Olhares atentos esperavam que ela caísse e decidisse por nós. Durante um tempo quase interminável, ela rodopiou feito um pião. Depois se aquietou. A face voltada para cima decidiu pelo vestido cor de framboesa. Eu iria com ele naquela festa de noivado de uma vizinha. Mas gostava mais do vermelho. Aquele vestido cor de framboesa era tão infantil! De tanto babado eu ficava parecendo uma boneca. Exageros também. Contudo, não se deve contrariar uma decisão de tribunal.

Eu entrava nessa fase da adolescência. Sabia bem pouco da vida, embora já flertasse. Apenas alguns olhares. Nada mais que isso. Não tinha ainda formas perfeitas de mulher. Quanto mais fatal ou sedutora. Bustos fartos, cintura fina, eram apenas sombras em um corpo que ainda se transformava. Parecia mais uma criança seduzida por um vestido de babados. Sonhos não faziam parte deste mundo ainda tão infantil. Eles ainda não haviam se alargado quanto o babado daquele vestido cor de framboesa. Um viés qual o do vestido vermelho me impedia de enxergar os horizontes. Era a inocência. A única sombra que fazia o seu limite.

Naquele dia em que uma moeda decidira a primeira vez de meu vestido cor de framboesa, eu o possuí em um salão de danças durante quase toda a madrugada. Fiz de sua primeira vez uma comunhão perfeita entre corpo e tecido. Ele flutuava nos balanços de meu corpo. Eu dançava bem, confesso. Não me faltava par, embora fosse ainda tão menina. Por diversas vezes tinha que fugir do salão para descansar. Meu corpo de menina conhecia bem os balanços da música... Só não conhecia os balanços da vida.

Mas a vida passa. Adolescência não é definitiva. Penso que seja mais uma espécie de transição da fase infantil para a adulta. Quando nos damos conta a maturidade já tirou a imagem costurada de babados e fitas. Um olhar sedutor é cerzido junto com um vestido que mostra as formas já completas. Contudo, nunca tive bustos fartos, sonho de toda mulher. Mas nada que algumas cifras e alguns bisturis não possam resolver. Mas não gosto de artifícios e não tenho as cifras.

Felizmente a cintura não me falhou e tive ainda outras formas fartas e ainda o jeito de mulher que alargou os sonhos. Eles agora têm a distância dos horizontes. Um horizonte que exige mais do que uma fita ou um viés para enfeitar um babado. Os embutes agora são outros e tantos que cansam o corpo. Antes, tivesse ficado presa nos limites de um vestido infantil. Mas como a moeda que fora jogada ao alto, tenho agora duas faces. Uma é a criança que existe sempre dentro de uma mulher. O outro lado, a própria mulher amadurecida. Nos reveses da vida mostro meus dois lados: jeito de mulher e criança.

Sonia de Fátima Machado Silva
Enviado por Sonia de Fátima Machado Silva em 08/12/2009
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