A outra face no espelho

Para sempre eu guardaria em minha memória o dia em que o tempo gentilmente parou, se deslocando por uns instantes de seu curso natural, lento e eterno. Talvez o tempo tenha feito sua parada momentânea em reverência àquele momento de carinho que se desenvolvia em uma crescente entre nós, ou talvez porque a magia era tanta que o próprio tempo sucumbiu aos encantos daqueles vapores azuis que desprendiam do nosso espectro iluminado pelas luzes de uma cidade em movimento.

Naqueles breves instantes em que o tempo parou – que aliás me pareceu até hoje uma eternidade – que a minha memória se ocupou por inteiro em guardar seu semblante, emergido de eras imemoriais, como se o próprio tempo me consumisse na lembrança de alguém que sempre existiu naqueles horizontes de um destino até então sonhado.

Contemplei o seu semblante! Um sorriso sutil se desenvolveu em seus lábios.

Era um sorriso leve, daqueles sorrisos que brotam da alma quando não nos esforçamos para esconder nossas fraquezas. Era daqueles sorrisos que revelam ternura, enquanto inconscientemente decidem transmitir confiança e nos deixam desarmados por completo.

Fixei meu olhar no seu olhar, baixei meus olhos!

O seu olhar era iluminado por uma centelha de realidade que penetrava os confins mais distantes da minha alma. Seu olhar, no mesmo tempo que me acolhia, questionava os meus pensamentos mais íntimos, de modo que eu soube desde aquele instante que poderia confiar minha existência aos seus cuidados, mas que deveria também cuidar de você com o mesmo carinho, pois ao mesmo tempo em que o seu olhar me passava força, revelava uma fragilidade tranqüila, em uma paz que eu não poderia compreender.

Percebi, então, desde aquele momento, que estava diante de um espelho, enxergando através de seus olhos a pequenez da minha alma.

Seu semblante era a outra face no espelho, mas não de um espelho qualquer que só reflete a frieza da imagem, e sim de um espelho que busca os detalhes, encontrando o pulsar daquela parcela do divino que existe em cada ser humano. Ao contemplar seu semblante não enxerguei um reflexo, mas na face de um espelho, encontrei uma paz que não era desse mundo, e que não somente me autorizava, mas me incentivava a transformar minha multiplicidade de defeitos em um ser humano melhor.

Quis naquele instante guardar cada traço de seu semblante reluzente, tentando congelar aquela imagem perfeita em meu inconsciente, mas por mais que quisesse, minha memória apenas recordava o brilho intenso dos seus olhos e a curvatura perfeita de suas sobrancelhas, cujos fios pareciam desenhados pelas mãos de um artista divino, o que jamais deixaria minha lembrança. Guardei também a leveza do seu sorriso, pois o mundo inteiro parecia sorrir diante de seu semblante, em um conjunto desconcertante das certezas mais puras.

Tentei descrever a outra face no espelho, para que sua imagem nunca mais se desfizesse em minha memória. Não consegui! Minha compreensão e competência com as palavras não era suficiente.

Porém, ao invés de descrever sua face ou mesmo tentar compreender o seu semblante, decidi apenas me dar o direito de contemplá-la.

Marco Antonio Vasquez
Enviado por Marco Antonio Vasquez em 07/12/2009
Reeditado em 16/12/2009
Código do texto: T1965230
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