O homem com um saco de lixo às costas...
É madrugada e vagueio lentamente com meu carro pela solidão de uma rua onde o frio se faz intenso... De repente observo sob o toldo de uma loja um homem que desce das costas um saco de lixo e senta no chão... Olho seus olhos... Mas vejo muito mais... Paro e observo pelo retrovisor...
É um homem ainda jovem, talvez quarenta e poucos anos, cabelos sujos, barba comprida, vestes sujas, mãos imundas... Não suporto e desço do carro, mas me atenho a ficar em pé do outro lado da rua, um pouco distante...
Ele acende um toco de cigarro e olha para o chão, quando solta a fumaça eleva os olhos... Nesse instante eu noto... Ele tem fome... Com certeza tem nome... É um ser humano...
Um dia deve ter tido uma mãe, talvez um pai, irmão, irmã... Quem sabe foi à escola, e hoje... Hoje é alimentado pela esmola...
Olho em seus olhos e vejo que a tristeza é sua companhia, a esperança tanto faz... Vejo nos seus olhos que voltar a sonhar ele é incapaz... Noto que ele tem medo nos olhos, não medo de morrer... Medo de viver... Ele remexe o saco de lixo e tira de lá um resto de sanduíche... Come não porque o organismo tem fome, come porque não tem coisa melhor que fazer naquela madrugada...
Quem será que falou com ele nos últimos dias? Será que alguém lhe dirigiu alguma palavra amiga? Ou foi lhe dado o desprezo para se livrar do mau-cheiro através do ato de dar dinheiro?
Será que ele olhou durante o dia uma mulher passar com seus filhos e lembrou que existem famílias, mas ele não tem a sua? Será que alguém o olhou e com o olhar lhe disse o quanto ele é ninguém? Tem um espírito ali junto daquele corpo, animando aquele corpo... Criado por Deus...
Vejo que ele me olha, mas sem curiosidade... Tanta gente já deve ter olhado pra ele sem que isso fizesse diferença... O seu lanche acabou... Agora do saco de lixo um sujo cobertor vermelho surge e o envolve... Com certeza é a única coisa nessa Terra que o aquece de verdade... Pelos traços de seu rosto dá pra ver quanto tempo ele vive assim... Como ele suporta? E tem gente que como eu reclama de tão pouco... Você consegue imaginar que ele não tem um nome pra chamar pra conversar? Não tem uma roupa limpa pra vestir depois de um banho onde sob um teto alguém com carinho de família lhe dê um prato de comida... Vida... Com certeza cada um de nós temos nosso fardo... Mas e o amor? E a caridade? A verdade?
Ele ainda me olha e faz entender que vai deitar no chão frio, sem travesseiro, somente com seu mau-cheiro... Me dá o que lhe dou... Insignificância...
E o que eu faço agora com minha vida? O que eu sinto é que eu minto... Pra mim mesmo... Não sou humano... Estou numa terra de desumanos...
Bem, volto ao carro ligo o motor e saio dirigindo pela madrugada, só, acompanhado da solidão... Amanhã a noite eu tenho um compromisso, mas vai ser difícil estar presente nisso...
Vou estar numa ceia de Natal...