[Sem título definido]

Havia dormido novamente com o celular na mão. O hábito havia começado quando ela ainda estava no hospital: mandava mensagens para o celular dela mesmo sabendo que ela não iria ler. Que talvez nunca fosse ler, o que de fato aconteceu.Apesar disso, pagava a mensalidade daquele celular que havia escondido tão bem (a ponto de fingir que não sabia aonde estava), apenas para mandar recados e ouvir a voz dela quando ligava e caía na caixa postal. Naquela noite, havia ficado olhado paratela de seu celular como se ainda esperava uma resposta, até adormecer.

Um bom tempo depois de ter adormecido, sentiu um pequeno frio na espinha, que foi seguindo até a sua nuca, fazendo com que ele acordasse parcialmente. Sentiu um peso em suas costas: o mesmo peso que sentia quando ela, já cansada de esperar que ele acordasse, fazia quando se debruçava e o beijava carinhosamente até ele despertar. Reconheceu o toque familiar daqueles dedos: agora eram frios e faziam a pele dele se arrepiar por completo.

Encolheu seu corpo o quanto pode, apertar o lençol contra sua pele. Não queria acreditar no que sentia, mas isso era impossível. Aos poucos, sentiu o peso do cabelo dela roçando em sua nuca e aquilo o acordou por completo, mesmo que não tivesse intenção ou coragem alguma de abrir os olhos.

- Sentiu minha falta? - disse a voz do modo carinhoso de sempre.

Remexeu-se ainda mais inquieto. Sabia que, se respondesse, seria um atestado de que já havia perdido de vez a lucidez. Ou não?

- Você sabe que sim - respondeu pressionando o rosto contra o travesseiro para abafar sua voz como sempre fazia quando não queria dizer algo.

- Não quer vir dormir comigo?

Não sabia o que responder. Parecia que a cada palavra dita por ela, seu corpo ficava ainda mais sobre o dele, fazendo o peso sobre o corpo dele aumentar.

- Não sei, falou finalmente após pensar por um tempo.

- Vamos, não precisa ter medo. Não tem fé?

Mordeu o lábio em dúvida se continuava a responder ou não. A cada frase dela, ficava ainda mais angustiado. Aquilo não era possível, ou era? Ficava cada vez mais difícil resistir. A voz parecia estar dentro da cabeça dele, apesar de tudo.

- Tenho, mas...

- Mas o quê? Não sente a minha falta? Vamos!

Havia um tom urgente na voz. Mais do que urgente, sedutor.

Os pensamentos dele corriam cada vez mais rápido.Já não sabia o que pensar. Queria sair dali, mas a saudade era tanta que não se atrevia. Não soube quanto tempo demorou até finalmente dizer.

- Certo. Vamos.

Não sabia o que aconteceria, mas foi por pouco tempo. Aos poucos, o frio foi se intensificando e o peso sobre seu corpo diminuia a medida que começava a sentir o frio por dentro... como se ela penetrasse por sua pele. De fato, conseguia senti-la penetrando cada poro de seu corpo e a medida que a sensação ficava mais forte, era como se o seu coração fosse parando aos poucos. Ficava difícil de respirar, mas finalmente sentiu um certo alívio quando, após um clarão passar por seus olhos, a viu parada, com a mão estendida para ele. Sorria como ele nunca havia visto e quando segurou sua mao, o toque nao era frio. Já não tinha consciêcia das horas.

Mal sabia ele que a noite já acabava -- e que ele nunca mais acordaria.