O assassinato de John Kennedy em São Luís
Não é piada nem artifício literário para atrair leituras. Isso realmente aconteceu, tanto que os supersticiosos chegam a dizer que a "maldição" dos Kennedy começou no Maranhão - com o assassinato de John Harold Kennedy.
O Brasil, que foi colônia de Portugal até 1822, era quase isso dos Estados Unidos até a década de 50. Éramos - da política à economia - em quase tudo subservientes ao governo norte-americano. No Maranhão, as coisas não eram diferentes. Desde 1923, os serviços de tração elétrica (bondes), luz, águas e esgotos e prensa de algodão eram explorados pela norte-americana Ulen Company, que mandava e desmandava no Estado.
O escritório era chefiado por Harry Isler, e tinha como segundo homem na hierarquia John Harold Kennedy, responsável por toda a parte contábil da empresa. John Harold era tio de John Fitzgerald Kennedy, que se tornaria presidente dos Estados Unidos em 1961 e morreria assassinado em novembro de 1963.
Não eram boas as relações dos funcionários norte-americanos da companhia, nem com os trabalhadores brasileiros – vítimas de tratamento humilhante e discriminatório - nem com a população em geral. Os gringos, cheios de dólares nos bolsos e confiados na impunidade, demonstravam arrogância, preconceito e desprezo com os habitantes da ilha de São Luís; quando saíam às ruas para se divertir, promoviam arruaças e quebra-quebras nos bares.
Anne Isler – mulher do chefão da Ulen – causava pânico na população quando resolvia ziguezaguear pelas ruas estreitas da cidade com o seu carrão, a mais de 100 km por hora. Num determinado dia, praticando o seu outro esporte predileto – a caça – em lugar proibido, atirou irresponsavelmente num vulto que se mexia na mata. Era um guarda florestal, que teve morte instantânea. Na polícia, explicou displicentemente o trágico episódio: "Really, he was looking like a monkey!" ("Realmente, ele parecia com um macaco!"). E nem mesmo um inquérito policial sobre o fato foi instaurado.
É quase certo que esse clima de animosidade contra os estrangeiros da Ulen tenha servido de forte influência psicológica para que o maranhense José de Ribamar Mendonça assassinasse o contador John Harold Kennedy nas próprias dependências da Ulen, no dia 30 de setembro de 1933.
José de Ribamar Mendonça era bilheteiro de bonde e trabalhava na Ulen desde os 16 anos. Em 1933, perto de completar 10 anos de trabalho e adquirir por lei a estabilidade no emprego, - prevista na legislação trabalhista brasileira antes do advento do FGTS – começou a planejar o seu casamento com a bela moça com quem namorava há algum tempo.
O que José de Ribamar não sabia era que fazia parte da política da empresa evitar que qualquer funcionário brasileiro adquirisse o benefício da estabilidade no emprego. Por essa razão, teve uma brutal surpresa ao receber, na manhã do dia 30 de setembro de 1933, a notícia de sua demissão sem nenhum motivo justificado. Desesperado, tentou reverter a situação, recorrendo a políticos e pessoas públicas influentes na cidade, mas a Ulen manteve-se irredutível: José de Ribamar estava fora da empresa e assunto encerrado.
Às 17:30 desse mesmo dia, o desesperado José de Ribamar, armado de um revólver, foi à Ulen para pedir ao contador John Harold Kennedy – que cuidava da contratação e demissão dos funcionários brasileiros da Ulen – que reconsiderasse a sua demissão. Petulante e grosseiro, John Harold Kennedy ao receber o desesperado funcionário tratou-o com modos rudes e acintosamente deu-lhe as costas para voltar à reunião de que participava antes de ser interrompido pelo funcionário maranhense. Nesse momento, José de Ribamar sacou o seu revólver e desferiu quatro tiros na direção de John Harold. Só dois acertaram o norte-americano, mas foram fatais. José de Ribamar foi preso minutos depois do crime sem oferecer nenhuma resistência à polícia, declarando simplesmente: "Matei agora mesmo o bandido que mais me perseguia, mas não estou arrependido".
O assassinato de um dos principais executivos da Ulen teve grande repercussão. Jornais do Maranhão, do Sul do país e até dos Estados Unidos (The New York Times) deram grande destaque ao assunto. A pressão norte-americana sobre a Justiça brasileira para obter a condenação do réu – contando com a subserviente colaboração do Itamaraty – foi tão forte que José de Ribamar Mendonça foi julgado quase sumariamente no mesmo ano de 1933. Ninguém imaginava, pois, em sã consciência, que não restasse a José de Ribamar outro destino senão as grades de uma prisão por muitos anos.
Mas, por sorte de José de Ribamar e da dignidade do povo maranhense, por extensão, do Brasil, o Maranhão tinha um brilhante criminalista chamado Waldemar Brito, que aliava à sagacidade jurídica seus dons de oratória e astúcia. Era, acima de tudo, um grande e versátil artista no palco do Tribunal do Júri. Dizem que nunca perdeu um caso e ficaram célebres e folclóricos os engenhosos expedientes de que se valia para obter a absolvição dos seus clientes.
Waldemar Brito sabia que aquele julgamento teria que ter como pano de fundo a exploração do país pelas grandes empresas internacionais. Sabia que tanto quanto o Itamaraty queria agradar os “irmãos do norte”, os maranhenses – cansados de receberem humilhações dos funcionários norte-americanos da empresa – desejavam fazer daquele julgamento um resgate da cidadania brasileira. E, é claro, sabia que os 7 jurados seriam brasileiros.
Por isso, no julgamento, ao ser dada a palavra ao advogado do réu, Waldemar Brito foi para a tribuna envolvido numa bandeira brasileira e, antes de qualquer outra coisa, declarou teatralmente:
“Aqui não se julgará um réu, mas toda uma nação brasileira humilhada.”
E sob aplausos emocionados da platéia presente ao Tribunal do Júri, José de Ribamar Mendonça foi absolvido por cinco votos a dois. A acusação, naturalmente incentivada e financiada pelos dólares americanos, recorreu e houve um segundo julgamento. Waldemar Brito conseguiu ser mais brilhante ainda e obteve nova absolvição, desta feita por unanimidade.
Como maranhense, estufo o peito de orgulho. Era 1933, 76 anos atrás, quando ninguém tinha coragem de dizer um simples "não" às exigências norte-americanas; um norte-americano graúdo, tio de um futuro presidente, fora assassinado, e a Justiça do Maranhão – sem medo das garras da grande potência mundial- teve coragem para absolver o assassino confesso!
Não é piada nem artifício literário para atrair leituras. Isso realmente aconteceu, tanto que os supersticiosos chegam a dizer que a "maldição" dos Kennedy começou no Maranhão - com o assassinato de John Harold Kennedy.
O Brasil, que foi colônia de Portugal até 1822, era quase isso dos Estados Unidos até a década de 50. Éramos - da política à economia - em quase tudo subservientes ao governo norte-americano. No Maranhão, as coisas não eram diferentes. Desde 1923, os serviços de tração elétrica (bondes), luz, águas e esgotos e prensa de algodão eram explorados pela norte-americana Ulen Company, que mandava e desmandava no Estado.
O escritório era chefiado por Harry Isler, e tinha como segundo homem na hierarquia John Harold Kennedy, responsável por toda a parte contábil da empresa. John Harold era tio de John Fitzgerald Kennedy, que se tornaria presidente dos Estados Unidos em 1961 e morreria assassinado em novembro de 1963.
Não eram boas as relações dos funcionários norte-americanos da companhia, nem com os trabalhadores brasileiros – vítimas de tratamento humilhante e discriminatório - nem com a população em geral. Os gringos, cheios de dólares nos bolsos e confiados na impunidade, demonstravam arrogância, preconceito e desprezo com os habitantes da ilha de São Luís; quando saíam às ruas para se divertir, promoviam arruaças e quebra-quebras nos bares.
Anne Isler – mulher do chefão da Ulen – causava pânico na população quando resolvia ziguezaguear pelas ruas estreitas da cidade com o seu carrão, a mais de 100 km por hora. Num determinado dia, praticando o seu outro esporte predileto – a caça – em lugar proibido, atirou irresponsavelmente num vulto que se mexia na mata. Era um guarda florestal, que teve morte instantânea. Na polícia, explicou displicentemente o trágico episódio: "Really, he was looking like a monkey!" ("Realmente, ele parecia com um macaco!"). E nem mesmo um inquérito policial sobre o fato foi instaurado.
É quase certo que esse clima de animosidade contra os estrangeiros da Ulen tenha servido de forte influência psicológica para que o maranhense José de Ribamar Mendonça assassinasse o contador John Harold Kennedy nas próprias dependências da Ulen, no dia 30 de setembro de 1933.
José de Ribamar Mendonça era bilheteiro de bonde e trabalhava na Ulen desde os 16 anos. Em 1933, perto de completar 10 anos de trabalho e adquirir por lei a estabilidade no emprego, - prevista na legislação trabalhista brasileira antes do advento do FGTS – começou a planejar o seu casamento com a bela moça com quem namorava há algum tempo.
O que José de Ribamar não sabia era que fazia parte da política da empresa evitar que qualquer funcionário brasileiro adquirisse o benefício da estabilidade no emprego. Por essa razão, teve uma brutal surpresa ao receber, na manhã do dia 30 de setembro de 1933, a notícia de sua demissão sem nenhum motivo justificado. Desesperado, tentou reverter a situação, recorrendo a políticos e pessoas públicas influentes na cidade, mas a Ulen manteve-se irredutível: José de Ribamar estava fora da empresa e assunto encerrado.
Às 17:30 desse mesmo dia, o desesperado José de Ribamar, armado de um revólver, foi à Ulen para pedir ao contador John Harold Kennedy – que cuidava da contratação e demissão dos funcionários brasileiros da Ulen – que reconsiderasse a sua demissão. Petulante e grosseiro, John Harold Kennedy ao receber o desesperado funcionário tratou-o com modos rudes e acintosamente deu-lhe as costas para voltar à reunião de que participava antes de ser interrompido pelo funcionário maranhense. Nesse momento, José de Ribamar sacou o seu revólver e desferiu quatro tiros na direção de John Harold. Só dois acertaram o norte-americano, mas foram fatais. José de Ribamar foi preso minutos depois do crime sem oferecer nenhuma resistência à polícia, declarando simplesmente: "Matei agora mesmo o bandido que mais me perseguia, mas não estou arrependido".
O assassinato de um dos principais executivos da Ulen teve grande repercussão. Jornais do Maranhão, do Sul do país e até dos Estados Unidos (The New York Times) deram grande destaque ao assunto. A pressão norte-americana sobre a Justiça brasileira para obter a condenação do réu – contando com a subserviente colaboração do Itamaraty – foi tão forte que José de Ribamar Mendonça foi julgado quase sumariamente no mesmo ano de 1933. Ninguém imaginava, pois, em sã consciência, que não restasse a José de Ribamar outro destino senão as grades de uma prisão por muitos anos.
Mas, por sorte de José de Ribamar e da dignidade do povo maranhense, por extensão, do Brasil, o Maranhão tinha um brilhante criminalista chamado Waldemar Brito, que aliava à sagacidade jurídica seus dons de oratória e astúcia. Era, acima de tudo, um grande e versátil artista no palco do Tribunal do Júri. Dizem que nunca perdeu um caso e ficaram célebres e folclóricos os engenhosos expedientes de que se valia para obter a absolvição dos seus clientes.
Waldemar Brito sabia que aquele julgamento teria que ter como pano de fundo a exploração do país pelas grandes empresas internacionais. Sabia que tanto quanto o Itamaraty queria agradar os “irmãos do norte”, os maranhenses – cansados de receberem humilhações dos funcionários norte-americanos da empresa – desejavam fazer daquele julgamento um resgate da cidadania brasileira. E, é claro, sabia que os 7 jurados seriam brasileiros.
Por isso, no julgamento, ao ser dada a palavra ao advogado do réu, Waldemar Brito foi para a tribuna envolvido numa bandeira brasileira e, antes de qualquer outra coisa, declarou teatralmente:
“Aqui não se julgará um réu, mas toda uma nação brasileira humilhada.”
E sob aplausos emocionados da platéia presente ao Tribunal do Júri, José de Ribamar Mendonça foi absolvido por cinco votos a dois. A acusação, naturalmente incentivada e financiada pelos dólares americanos, recorreu e houve um segundo julgamento. Waldemar Brito conseguiu ser mais brilhante ainda e obteve nova absolvição, desta feita por unanimidade.
Como maranhense, estufo o peito de orgulho. Era 1933, 76 anos atrás, quando ninguém tinha coragem de dizer um simples "não" às exigências norte-americanas; um norte-americano graúdo, tio de um futuro presidente, fora assassinado, e a Justiça do Maranhão – sem medo das garras da grande potência mundial- teve coragem para absolver o assassino confesso!