A LIÇÃO DO PASSARINHO

-Um dia cai do meu ninho, e achei que aquele era meu fim.

Começou assim, o passarinho que preso na gaiola, no centro da minha área de serviço, a contar a história de sua trajetória de vida. Não lhe interrompi, apenas respirei fundo para embarcar com ele nesta aventura que pela primeira vez me contava...

-Felizmente aquele não foi meu fim, mas, sim o começo de minha vida e da minha pouca liberdade. Quando bem próximo ao chão, senti fluir em meu corpo uma força desconhecida e num piscar dos meus olhos, já planava eu sobre minha asas, num leve voar, numa brisa tranquila de uma linda manhã. A partir daquele dia, não vi mais meus pais e tampouco meu irmão, e muito menos sei o que se sucedeu de suas vidas. Enfim, em meio ao novo e ao desconhecido tive medo e receio, porém não me prendi a esses sentimentos, o desejo de desbravar o mundo nas asas da minha liberdade me impulsionavam a cada lugar que o vento me levava... Incrível sensação, do poder olhar a dimensão total que os teus olhos te proporciona, de ver o belo e desconhecido novo lugar, de se preocupar em que galho a noite poderia descansar, e nele planejar os vôos do amanhã.

Impossível seria não lhe interromper neste momento

- Tão bela a descrição de sua liberdade, dói-me saber que hoje não a tens mais, sinto-me culpado, mas, já chegastes a mim assim, preso nesta gaiola, mas, me diga, quem te prendeu nela?

Meu passarinho, com ar de riso e ao mesmo tempo reflexivo, falou mansamente, o que seria o fim de sua liberdade.

-Não te culpes, mas, culpe aquele que me prendeu aqui, que como meus pais, não sei mais por anda e nem porque isso me fez. Era uma tarde, deslumbrava eu o lindo céu, o vento suave me fazia deslizar sobre as nuvens, até que em um dado momento resolvi descansar minhas asas num galho de uma árvore, ainda ofegante olhei para o chão, vi uma linda fruta, era a minha preferida, estava dentro de um emaranhado de pequenas tirinhas de madeira, nunca tinha visto algo igual, pensei sobre as possibilidades de alcançá-la e sem muita demora fui...em instantes, no tocar do meu bico nela, surgiu por trás de mim um barulho, um impacto que de súbito me fez olhar para trás, bater asas e querer voar, mas, eu não conseguia, algo me limitava, me prendia, eu ia para um lado e para o outro, usei todas as minhas forças, todas as estratégias mas, a partir deste dia não pude mais daqui sair.

- Te entendo, a partir deste dia vieste a ter teu mundo limitado em uma gaiola, lembro-me ainda quando chegaste a mim, dado por um amigo como presente. Coloquei-te no centro desta área de serviço e tampouco me importei em muitos dias de te dar atenção, porém, não me recordo do dia que não ouvi o teu cantar, até, que hoje num breve distrair meu, parei para te observar e ouvi pela primeira vez a tua história, mas, o que me surpreende é a tua alegria que sempre transmite, no teu piar constante, como pode ser tão feliz assim se te tiraram a liberdade?

Ele não se surpreendeu com minha pergunta, e não demorou muito para respondê-la.

- Pensas que também não te observo? Sei que só paraste hoje para me ver, mas, eu sempre te vi. Após perder minha liberdade, muito sofri e me entristeci, mas, aprendi a viver com minhas limitações de espaço, aprendi a romper-la com meus sonhos, nele viajo tudo novamente, imagino novos lugares e fico feliz por saber que um dia já pude viver-los e hoje fico alegre por relembrá-los, daqui ainda vejo o sol nascer, sinto o vento em meu corpo, tenho meu alimento, e lugar seguro para descansar todas as noites. Mas, ainda podes me perguntar que perspectiva tenho para meu futuro, simples, muito simples a resposta... Apenas Viver.

Não entendi muito bem o que ele quis me dizer, refleti por instantes e pensei: “como, Viver? que vida é esta, preso numa gaiola?”.

- Não te questiones.

Não havia lhe dito nada, mas ele percebeu.

- Este é o problema dos homens, se questionar. Imagine se eu passasse a minha vida me questionando pelo porque de ter pousado naquele lugar, do porque de ter ido buscar a fruta e porque não fui rápido o bastante para sair da gaiola? Com certeza, meu amigo, hoje não me terias aqui. Quando digo apenas “Viver”, digo viva a vida sem olhar as suas limitações, que a cada dia seja um novo sonho, que as horas sejam o espaço para a realização deles, que agradeças pelo ar, pelo alimento, pela estadia, que viva as alegrias e supere as tristezas, que não vejas nas limitações impossibilidades, mas, sim obstáculos a serem superados, que se aprenda a viver com simplicidade, mas, com a grandiosidade de tê-la, e poder a cada dia viver a vida.

Eu, neste momento me encontrava perplexo, minha mente fervilhava, meu coração ardia, e dos meus olhos brotavam lágrimas pela verdade que acabara de escutar e que sempre estava ali, mas, que eu nunca dei ouvido. Ele ainda me disse:

- Aprenda com um passarinho uma lição para sua vida.

Estas foram as últimas palavras que ouvi dele, palavras estas que guardei em meu coração e que as vivo todos os dias, que são relembradas a cada amanhecer, quando escuto o seu cantar e vejo a alegria de seu “simplesmente viver”.

Fernanda Alves

26/11/2009

Fernanda A Fernandes
Enviado por Fernanda A Fernandes em 28/11/2009
Reeditado em 20/03/2019
Código do texto: T1949888
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