Um Coquetel para a Dor

Elena estava feliz. Finalmente sua vida estava fazendo sentido. Finalmente o amor de sua vida lhe proferira palavras doces e a beijara.

O namoro foi inevitável, tinha um futuro promissor... Ela estava tão feliz que sequer suspeitava que devesse policiar seus atos. Pois ainda era uma menina e seus pais ainda não lhe deram permissão para namorar mesmo que fosse com o menino que cresceu aos olhos da família...

Ela pisava em nuvens, cantarolava pela casa, fazia os serviços que a mãe ordenava sem reclamar. Sua rebeldia havia amenizado e ela até parecia mais doce.

A mãe, suspeitando de algo começou a investigar...

Elena não sabia, mas numa tarde confiou seu segredo à amiga a quem considerava muito fiel, pois também cresceram juntas... Puro engano, se ela soubesse que o coração dessa amiga era tomado pela inveja, talvez jamais tivesse confiado tanto.

Elena contou a amiga todos os fatos românticos, os olhares trocados as escondidas, o primeiro beijo que surgiu em meio a uma brincadeira, o pedido que foi escrito com a ponta de um galho seco roçando a areia... Tudo fora tão belo!Pois agora, não eram mais crianças, já estavam com idade para namorar, beijar, abraçar, sonhar...

Elena sonhava sim! Sonhava com seu amor ao seu lado pro resto da vida, sonhava com os filhos que iriam ter, com os netos... Sonhava longe...

Elena narrava todos os seus sonhos e seu amor correspondido com tanto brilho nos olhos que não percebeu o olhar de ódio que surgia na face obscura de sua amiga. Enquanto ela falava, gesticulava e dançava feliz em torno de si mesma, um plano diabólico era cuidadosamente maquinado na mente da amiga.

Elena viveu dias maravilhosos ao lado do seu amor Diego. Beijos inocentes, abraços ternos, tardes únicas... Já tinham idade para namorar, mas sabiam bem que ainda não tinham idade para um relacionamento um tanto mais “maduro”. Diego a respeitava, e muito. Também amava Elena e jamais pensou em desrespeitá-la.

Poucos dias felizes eles tiveram juntos.

Numa tarde, Elena chegou da escola, ansiosa para ligar pro namorado. Mas havia algo errado. O pai estava em casa. Naquela hora do dia era um pouco estranho... Não soube bem o porquê, mas ela sentiu uma agulhada forte no peito.

Entrou no quarto, jogou a mochila em cima da cama e ao se virar sentiu fortes golpes em todo o seu corpo. Eram cintadas e tapas que não tinha fim. Foi a primeira surra de sua vida. Depois de muito bater seu pai a encarou e a acusou de infame, ingrata, inconseqüente. Contou então o motivo da surra, Elena havia o traído, sem idade para namorar, sem idade para sexo.

“Sexo? Como assim? Sexo?” Ela não entendia, seu namoro era puro. Mas ele não acreditava. Tinha os relatos da amiga e os tinha por verdadeiros. Ela estava proibida de sair de casa, seria levada por ele a escola e ele a buscaria, todos os dias. Também seria vigiada e o telefone ficaria fora de acesso.

Foi o que bastou para o mundo daquela jovem cair. A melhor amiga a traíra, o pai não acreditava mais nela, não veria mais o seu amor...

Sentia-se ofendida, traída, açoitada injustamente. Justo ela que sempre tentou fazer tudo corretamente, nunca dera motivos para que o pai sentisse vergonha dela. E aquela acusação? Tinha ferido a sua alma de tal maneira que ela não enxergava mais o chão.

Anoiteceu. A mãe ainda no trabalho, o pai no bar da esquina. Ninguém em casa. A amiga cretina nem dera as caras. Elena só queria dar uma surra nela também.

Sua vida antes cheia de sonhos, agora parecia tão fria e sem sentido.

O corpo ainda dolorido, as marcas ainda ardendo, o coração remoído... Elena caminhou até a cozinha, abriu o compartimento dos remédios. Achou ali um prato perfeito para o jantar. Não conseguia mais pensar no seu futuro, o peso do mundo doía demais dentro do seu peito, era demais para suportar...

Pegou tudo que viu ali. Comprimidos para insônia, calmantes, anestésicos, antibióticos... Misturou tudo num coquetel perfeito para sua dor!

Bebeu brindando, aos sonhos que um dia teve e que levaria com ela, brindou ao amor verdadeiro que pode viver, brindou ao fim!

Um último gole da vida! E um torpor delicado fez seus braços e pernas cambalearem. Caiu. Os olhos fixos no ar, um sorriso pálido surgiu no seu rosto...

Uma miragem a levou desse mundo... Seu amor lhe sorrindo levando Elena ao mundo de sonhos que não existia!

Um motivo banal. Os sonhos mortos. Conseqüência brutal... Sem volta!