Como seria?

Antes de escrever eu ia organizando alguns trechos da minha vida. Não me considerava um jovenzinho, mas, embora experimentasse o inverno, ainda não havia alcançado o outono. Então, inesperadamente, uma frase marcou o campo de minha visão:

- Ah, se tudo fosse diferente...

Ponderei grande parte da manhã. Não havia muitos sucessos dos quais me orgulhar. Almejei ser escritor, porém, tive de me acomodar às medidas de um terno qualquer. Passar horas debruçado sobre processos, carregando documentos, lidando com a existência tumultuada dos meus clientes; a complexidade entre lei e efetividade que rege o sistema. Minha sensibilidade aguçada fazia com que eu experimentasse as agruras de cada caso e sofresse por identificar uma realidade tão distante dos meus sonhos de menino. Preciso confessar o quanto eu estava frustrado...

E nesses momentos em que nos enxergamos como um ser sub-racional, em que passamos a criticar cada uma de nossas atitudes, a gente esquece o que tem de bom do nosso lado. Se antes eu valorizava as pequenezas do dia a dia, aprendi a ser alheio às mudanças da natureza; aos sorrisos descompromissados, aos sinceros e aconchegantes apertos de mão.

Agora que estou verdadeiramente só, penso que deletar algumas passagens sugere uma opção tentadora. O fato é que não podemos apagar o ontem, não temos o direito de reescrever nossas escolhas. E mesmo sabendo que serão decisivas, insistimos em trilhar caminhos tortuosos.

Voltando àquela frase, afirmo que seria mais simples se a gente fosse só a gente. Sem medo, sem tempo, sem pressa. Sem dar satisfação dos nossos atos a ninguém; sem a velha e irritante preocupação de se adequar às lentes sociais. No entanto, não é assim que acontece.

Eu e minha companheira nos conhecemos quando éramos adolescentes. Vivemos juntos por mais de dez anos e fomos próximos como eu nunca imaginei ser possível entre duas pessoas. Contudo, apesar da proximidade, às vezes estávamos tão longe um do outro, que já não entendíamos porque nos envolvemos de tal forma. É a história da famosa solidão a dois, aliás, nada é perfeito.

Em certos instantes nosso mundo era único, porém, de um momento ao outro, sabíamos, os mundos poderiam se tornar incontáveis.

Ela não entendia minhas frustrações. Insistia em me ver como um advogado bem sucedido e me admirar como um redator maravilhoso. Acho que só um artista lutando por uma oportunidade, sabe como eu me sentia ao ver um original recusado. Bem, aquela dor era minha e estranhamente insignificante para grande parte das pessoas que me conheciam.

Por outro lado, eu também não conhecia as fraquezas de minha mulher. Eu sentia que me isolava cada vez mais e, ainda assim, não conseguia lutar.

Deixei muito eu te amo suspensos, calados por uma nova reflexão que surgia do nada. Não sei dizer quantas vezes me aproximei para um carinho, um abraço e meu primeiro impulso se apagou, transformando-se em discussões duras, intermináveis. Porque com toda minha pretensa sensibilidade de artista frustrado, aprendi a descontar minhas tristezas e fracassos na única pessoa que realmente se importava comigo.

E foi assim durante anos... até que o nosso mundo único desmoronou.

Infelizmente, só fui entender o quanto errei, tarde demais. Só contabilizei os gestos que pedi, quando não mais podia tocá-la.

Anos depois eu compreenderia o verdadeiro sentido da palavra solidão.

Claro, há um tempo precioso para se estar só, tempo que precisamos para criar, analisar, estudar. Percursos que não são inspirados a dois. Contudo, as páginas possuem frente e verso.

Um casamento não deve distorcer as individualidades, pelo contrário, o ideal é tentarmos redescobrir o espaço de cada um, dentro de uma vida compartilhada. Acredito que o caminho da existência não deve ser trilhado com indiferença, isolamento.

Duas mãos, dois pés, lua e sol, terra e água... acabei percebendo que somos feitos para estar em par. E quando um de nós cede ao cansaço, que o outro venha auxiliar nossa caminhada, pois, um olhar encorajador, um colo que pode durar apenas alguns segundos, traz uma sede de lutar e vencer indescritível.

A minha verdade foi que deixei meu único amor sair pela porta da frente. Não esbocei ação, não desenhei palavra, limitei-me a acompanhar seus passos sem me mover; sem gritar, sem dizer que eu não poderia continuar sozinho.

Acordei quando ela já não pertencia ao nosso mundo e só então visualizei a dimensão do que perdi. Deixei de dizer tantas coisas e apesar de tudo que compartilhamos ao longo da nossa convivência, não permiti que ela tocasse minha alma. Não disse a ela o quanto era importante para mim. Foi o meu maior erro.

Hoje eu sei que agiria diferente. E sei também em que extensão demonstraria meus sentimentos. Da mesma forma, sei que não há volta. Pelo menos, não para mim.

Por isso, se você tem algo a dizer, diga. Se tem a quem amar, ame. Se quer abraçar, abrace. Porque todos sabemos que a vida passa e, mesmo assim, insistimos em agir como se tivéssemos o amanhã. Pois ouça, não temos!

Certas pessoas, não podemos substituir, esquecer, comparar.

E ainda que a distância seja a mesma que temos entre o mar e o céu, entre a vida e a morte, podemos senti-las cada dia, presentes nas lembranças, nos sorrisos registrados, nas frases não ditas, nos momentos não vividos, na sensação de que um dia, fomos realmente especiais para alguém.