Um menino sonhador

Na sua tenra idade, o Irineu estava perdido entre o mundo da fantasia e a sua realidade. Ele assim, como tantas outras crianças de sua fase, dava asas a sua imaginação e acreditava piamente que a vida era um sonho, e o sonho um subterfúgio da vida.

A mãe do Irineu já tinha sido chamada várias vezes pela orientação da escola onde ele estudava a respeito do seu mundo ilusionista. Dizia a professora, que o Irineu vivia no mundo da lua e chegava a dormir em sala de aula. Ela já estava preocupada com aquela situação e tinha procurado ajuda de um especialista para um acompanhamento psicológico para com o filho. O doutor lhe aconselhou que o Irineu deveria ter mais contato com a natureza, com os animais, viajar e passear. Assim sendo ele iria sair daquela ficção interna que o alimentava cegamente.

Trilhando essa linha de raciocínio, a mãe do Irineu lhe prometeu que tirariam umas férias forçadas e eles iriam lá pro interior, pra casa de seus tios. O Irineu pulou de alegria e contentamento, lá era o lugar que ele mais gostava. Não via a hora de chegar o momento...

Depois do prometido, o Irineu quase todas as noites sonhava em estar lá no sítio, sentia o aroma da natureza e a brisa matutina abrandando o seu rosto. Os sonhos o transportavam ao longe!

Na noite que antecedeu a viagem o Irineu assistiu alguns desenhos até mais tarde não contendo a ansiedade. Dormiu ali no sofá sonhando com a viagem.

No outro dia a mãe do Irineu teve a maior dificuldade para acordá-lo. Já dentro do carro, começando a viagem, o Irineu pegou novamente no sono. Ele somente foi acordado com a freada brusca do carro do seu pai adentrando num posto de gasolina. – No que o Irineu gritou pro seu pai:

- Papai, o senhor viu quantos carros de corridas nós ultrapassamos! Pena que o senhor teve de parar para abastecer! Senão nós estaríamos em primeiro lugar! – A mãe do Irineu o repreendera calmamente.

- Irineu! Não teve nenhum carro de corrida. Você estava dormindo! Desse jeito não vai aproveitar o passeio, são tantas paisagens lindas... E a viagem está só começando – estocando ela o Irineu para ele ficar atento e não voltar a dormir.

Voltando novamente à estrada, começaram a descer uma serra e aquelas cachoeiras na beira da estrada, aquelas pedras altas lá em cima da serra, deixava o Irineu fascinado. O Irineu começou a pestanejar lentamente...

Quando o pai do Irineu reduziu a marcha do carro para sair da rodovia de asfalto e pegar uma estrada de terra, o Irineu ainda de olhos semicerrados balbuciou para sua mãe.

- Mamãe a vista aqui de cima é linda! É uma delícia voar de Asa delta! Pode pular mamãe... É seguro!

Novamente a mãe do Irineu repudiou acordando-o com leves solavancos:

- Irineu, você estava dormindo acordado?

- Mamãe, é uma delícia pular de Asa Delta lá de cima daquela pedra... Voar por cima das árvores, perto das nuvens. O ruim foi aterrizar aqui nessa estrada de barro!

A mãe do Irineu já estava até se conformando com os sonhos do filho. Essas férias fariam bem para ele, ou melhor, para todos.

- Nunca vi tanta poeira! Pelo jeito faz muito tempo que não chove por aqui. Nossas férias serão proveitosas... Abre a porteira filho! – Pediu o pai de Irineu para despertá-lo e deixá-lo ativo.

Era quase que escuro, e a lua cheia dava sinal de sua grandeza. Chegando lá, o Irineu e seus pais foram recebidos pelos seus tios e primo que já os estavam esperando. Estavam cansados e a janta, além de ótima, ajudou a dar uma soneira em todos. O Irineu, já na cama, orquestrado pelos coaxares dos sapos e dos irreverentes grilos, começou a entrar em um sono letárgico...

... De manhã o Irineu foi acordado por seu primo Rezende e a sua tia Eugênia lhe trazendo café na cama. Ouvia-se lá fora o mugido das vacas e o cantar do galo carijó – O seu primo Rezende lhe falou todo eufórico:

- Vamos sair pro campo e depois pescar Irineu, pois o dia está ótimo! O sol está lindo!

O Irineu e o Rezende saíram rumo ao rio para pescarem, também levaram consigo estilingue e bodoque. Os pássaros faziam festa nos galhos das árvores. O bem-te-vi dava ares de sua alegria; a saracura no brejo ria sem parar, enquanto isso o xororó piava triste na capôra.

Rezende com seu olhar de campeiro observante, como quem compreende a natureza como a palma da mão... Olhou para o lado da serra... Analisou o vento pro lado do sul!... Proferiu.

- Irineu, o vento está esquisito. Vai cair uma chuva daquelas!

- Que é isso, Rezende! Com esse sol maravilhoso! Só tem algumas nuvens lá longe... É impressão sua. – Respondeu o Irineu.

O Irineu poderia ter dado ouvidos ao Rezende. Ao longe já se visualizava pequenas nuvens escuras se formando...

Algum minuto mais tarde começou a ventar cada vez mais forte, e logo em seguida desabou uma chuva torrencial que os colocou em corrida no caminho de volta pra casa. Este temporal começou a se estender pelo resto da tarde. Era um vendaval arrasador. O vento batia nas telhas de cerâmicas como se fosse arrancá-las. O céu de uma hora para outra ficou totalmente escuro, e a ventania começou a derrubar algumas árvores. Os animais corriam para procurar abrigo como se vissem o castigo iminente. Ficaram trancados dentro de casa a tarde toda sem nada poder fazer. A tia do Irineu, a Eugênia, se apegava a um rosário pedindo aos santos para a tempestade ir embora. O Irineu e o Rezende se aventuravam em abrir a fresta da janela para ver o clarão dos relâmpagos.

- Meninos, fechem isso, senão vão ficar cegos! – Esbravejava a tia Eugênia.

Era cada relâmpago e estrondo que chegavam a tapar os ouvidos. O temporal perdurou por toda a noite. O Irineu nunca tinha visto algo parecido!

Na manhã seguinte a primeira coisa que o Irineu fez foi abrir a porta da varanda. O sol estava com seu raiar exuberante. Parecia tudo calmo... Mas olhando com mais atenção, podia avistar com mais clareza os danos que a chuva causou no dia anterior. Um pé de Ipê Roxo florido estava caído, derribado bem no meio do campo. Sabe-se lá se foi com a força do vento ou com a ação de algum raio. Ali do lado também se avistava o curral do gado descoberto e as telhas de amianto jogadas longe no chão com o ímpeto do vento.

- É, esse mês é assim mesmo; a chuva não escolhe o dia nem a hora que vai cair, só não esperava que dessa vez viesse com essa braveza! Faz tempo que não chove por aqui... Esse toró deve ter feito arruaças lá pro lados dos Ribeirinhos. Comentou o Ricardo, tio do Irineu, ainda na mesa terminando o seu café da manhã.

Lá fora os cachorros começaram com latidos de aviso que estava chegando alguém. Era Seo Juca, um estancieiro vizinho do sítio; no que o tio Ricardo pediu para ele adentrar. Na realidade o Seo Juca não tinha boas notícias para contar. – Disse com a voz embargada:

- É seu Ricardo, o vento quando vem das bandas do sul é pra castigar de vez. Agora a vítima fui eu e minha pequena casa. Já sabia que aquele casebre que fiz algum tempo atrás não iria agüentar muito tempo; só não esperava que a chuva viesse tão cedo e tão forte. Não sei o que faço... Agora estou no relento com a mulher e os meus filhos. Perdi quase tudo!

Na hora o Irineu sentiu no ar um clima de profunda tristeza. O tio Ricardo bateu nas costas do amigo Juca:

- Juca, traz sua família para cá até resolvermos alguma coisa. A casa é pequena, mas dá pra

alojar toda ela. Onde dorme um, dorme dez!

O tio Ricardo e o pai do Irineu confidenciaram algo no canto da sala e saíram de cavalo à galope estrada afora. Quase de tardezinha retornaram animados e satisfeitos:

- Fomos até a vila e contamos o que aconteceu com a casa do Seo Juca. Estão todos prontos para ajudar. Amanhã cedo faremos um mutirão e construiremos uma nova casa pro Seo Juca e sua família. – Falou o tio Ricardo, no que o Irineu e todos festejaram alegremente.

Como o combinado, na manhã seguinte os cooperadores iam chegando aos poucos, começaram a aparecer pessoas de tudo quanto era lado. Cada um trazia consigo a preocupação com o amigo desventurado. Depois de um vasto café servido pela a tia Eugênia, todos rumaram para aquilo que sobrou da casa do Seo Juca. Enquanto uns faziam um limpado com as foices retirando os destroços; outros traziam madeiras, ajudados por um homem troncudo, dando a elas formas de tábuas totalmente aplainadas com moto serra. Ao mesmo tempo outros chegavam trazendo folhas de sapé e rodilhas de cipó para amarrar. Estavam todos unidos em um só ideal. Eles pareciam ser ‘formiguinhas’ montando um império único.

Aos poucos, a cada peça que encaixavam, iam dando um formato de uma linda casa. Foi o Irineu e o Rezende que deram um toque final na casa colocando um vaso de flor na janela abrindo-a para o poente. Todos se olharam entre si... Abraçaram-se, outros choraram e no final bateram palmas como que se agradecendo entre eles tudo aquilo construído.

No retorno da nova casa do Seo Juca para casa do tio Ricardo, o tempo começou a mudar para chuva. A tempestade estava chegando cada vez mais perto... Cada vez mais perto... Cada vez mais perto... Começaram a correr, mas os passos do Irineu não saiam do lugar...

O Irineu foi acordado de supetão, estava sussurrando palavras desconexas, fadigado e assustado... Foi recobrando a consciência aos poucos com o mugido das vacas e o cantar do galo carijó lá fora, sendo assustado por um gavião. A tia Eugênia e o Rezende estavam ali com o café da manhã para servi-lo na cama.

- Levanta Irineu! Você estava cansado e dormiu como uma pedra. Hoje o dia está ótimo! Vamos sair para brincar pelo campo e depois iremos pescar. O sol está lindo! – Disse o Rezende e sua mãe Eugênia concordando plenamente.

- Não titia. Temos que ficar por aqui, pois daqui a pouco os vizinhos vão chegar para ajudar a construir a nova casa do Seo Juca que a tempestade estragou. – Profetizou o Irineu.

- Tempestade? Casa que estragou? Quem é o Seo Juca? Faz meses que não chove por aqui! Você dormiu demais Irineu... Indagou a tia Eugênia.

O Irineu ouvindo tudo aquilo levantou da cama num só pulo! Abriu a porta da varanda e avistou na beira do rio um pé de Ipê Roxo florido caído logo ali no campo. – O Irineu falou para a tia Eugênia:

- Titia, o que aconteceu com aquela árvore caída ali? Ela é enorme! Foi a chuva que derrubou ela?

- Não Irineu, aquele pé de Ipê roxo caiu porque já estava muito velho, e o cupim já estava comendo o seu tronco! Ele era lindo! – Respondeu a sua tia Eugênia.

Ainda na varanda o Irineu viu o seu tio Ricardo cobrindo o curral das vacas com telhas novas, e ao lado várias telhas de amianto jogadas no chão.

- Titia, o tio Ricardo está cobrindo o curral por causa do vento que arrancou as telhas? – perguntou o Irineu.

- Não é isso não Irineu. É que essas telhas aí do chão já estavam muito velhas e ressecadas... Já estava na hora de trocá-las.

O Irineu e o Rezende saíram campo à fora, sentido ao rio para pescarem. Lá longe no horizonte já se visualizava algumas nuvens escura. Parece que ia chover! O Irineu pensou em tudo o que estava acontecendo em sua volta... Instigou no íntimo:

- “Eu já não sei de mais nada! Seja o que Deus quiser!” – e seguiram rumo à pescaria.

Marcos Antony
Enviado por Marcos Antony em 22/11/2009
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