Malentendidos

"Quero que você morra!!!"

Foi assim que ela terminou comigo. Eu fiquei tão chocado com a frase que nem tive reação enquanto a via correr embora.

Mais do que indignado, fiquei curioso. Por que ela achava aquilo uma ofensa das grandes? Afinal, eu vou morrer mesmo. Não é a única certeza da vida?

Sem entender, fui pra casa. Minha prima estava em pé, em frente ao portão, aflita:

- Zinho, cê não sabe o que aconteceu! Vim correndo te chamar!

Ela me explicou que o Zão, meu irmão gêmeo, tinha passado mal havia poucos minutos e minha mãe o levara ao hospital. Aparentemente não corria risco de vida, mas estava em observação.

Eu estava já tão transtornado, tudo revirava na minha cabeça e virava nada. Voltei pro carro e disparei, sem nem lembrar-me de minha prima que viera me buscar.

Parei em frente ao portão azul do velho prédio conhecido, e sem pudores gritei:

- SUA BRUXA DE QUINTA CATEGORIA!! TENTA JOGAR PRAGA EM MIM? ALÉM DE ERRAR A PESSOA AINDA NÃO CONSEGUIU MATAR, SÓ DEIXOU HOSPITALIZADO!!

A polícia chegou rápido. Não me lembro mais o que eu falei, só sei que devo ter pegado pesado, porque ainda sinto as dores no corpo de tanta cacetada.

Eu tentei explicar pro Seu delegado que eu era a vítima. Vítima de macumba mal-feita, certamente. Aquela bruxa gosta de fazer essas coisas...

Contei o que aconteceu, como ela terminou comigo. "Pro sinhor ver, seu delegado, tentou jogar praga em mim e atingiu 'mermão'! De tão fajuta que ela é não conseguiu nem matar! Nem isso ela sabe fazer direito!"

Não sei por que cargas d'água o delegado encarou isso como uma ofensa. Disse que eu tava desejando o mal pro meu próprio irmão, que eu estava indignado por ela não ter feito o "serviço" direito. Me jogou em uma cela vazia qualquer e afirmou que não pensava em me soltar tão cedo, ou que ia me encaminhar pra um hospício.

Eu achei melhor não retrucar (um leviano momento de sensatez?). Nada em minha mente estava como deveria, e esse estado de confusão se refletia em minhas palavras mal interpretadas.

Sem nada pra fazer, parece que meus pensamentos estavam brincando de se organizarem. Eu nunca gostei daquela bruxa; por que insistia em ficar com ela?

Ah sim, por isso mesmo. Porque ela era uma bruxa. Pouco antes dela me mandar morrer eu havia dito isso a ela. Será que foi por isso que ela se irritou?

Mas é a verdade, oras bolas!

Com ela era sempre assim: não podia ser contrariada. E como eu tinha medo dela, nunca a contrariei. Por isso não tive coragem de dizer "não" quando ela me pediu em namoro. E também por esse motivo que sempre desisti de terminar com ela. Vai que resolvesse rogar praga em mim?

Pensando bem... Não foi isso que ela fez? E eu sobrevivi. E o melhor: ela terminou comigo. Um tanto injusto: ela me amaldiçoar por terminar com ela até entendo, mas ela quem termina comigo e eu que sofro a praga?

Mas que me importa! Finalmente estou livre!

E que irônico! Comemorando minha liberdade no lugar onde geralmente os homens a perdem! Quem disse que a prisão é algo ruim?

Estava curtindo minha breve paz quando o carcereiro anunciou uma visita. Visita?!

Para a minha surpresa, era a minha ex. Por um instante achei que viera se vangloriar, mas ela chegou com olhos culpados.

- Desculpe... eu não tive intenção...

É, agora vem com essa? Hunf.

Explicou que minha prima, inconformada com meu sumiço, tinha ido procurá-la e contou sobre o Zão. A bruxa, arrependida, veio atrás de mim.

- Vamos esquecer tudo e recomeçar?

Eu a olhei assustado. Preferia que quando ela me mandara morrer tivesse intenção de verdade. Com certeza a morte seria um castigo bem mais leve do que esse!

Finalmente entendi por que o xilindró é o lugar onde os homens perdem a sua liberdade...

Voo do Corvo
Enviado por Voo do Corvo em 19/11/2009
Código do texto: T1932592
Copyright © 2009. Todos os direitos reservados.
Você não pode copiar, exibir, distribuir, executar, criar obras derivadas nem fazer uso comercial desta obra sem a devida permissão do autor.