Cap III
A ZONA
Tremi por um instante.
Será que estaria correto negociar e compadecer-me da Tia Lica, ou será que seu excesso de peso, sua idade e sua doença, doenças, melhor dizendo, será que esses itens deveriam realmente pesar naquele momento?
A Tia Lica escolhera a vida que quisera. A situação de penúria era conseqüência do escolhido.
Não sei das particularidades da sua pessoa, mas a verdade é que vivia da exploração da prostituição.
O agravante é que ocupava terreno alheio, tanto do meu, quanto de quem fosse o proprietário da outra parte.
Saí daquela pequena casa plantada à beira do Rio Panquinhas, onde os moradores despudoradamente jogavam o esgoto nas águas que desciam em direção ao centro urbano, passando pelo antigo Clube Campestre, onde as pessoas costumavam tomar banho em tempo de Verão e até pescar, como fazia minha mãe na faixa que banhava os fundos do quintal da casa dela, bem mais abaixo, já no centro da cidade.
Pensei em quantas pessoas utilizavam daquela água para beber e cozinhar.
No máximo usavam um filtro, sabe-se lá de quantas velas.
Em algumas residências provavelmente uma simples talha, sem filtro, sem nada.
Em outras, nem mesmo a rústica talha.
Era direto da fonte ao consumidor.
Pensei sobre o quanto nosso país gasta com vacinas e programas de combate à dengue.
Pensei no perigo ao qual a população local se expunha, ainda mais sabendo-se que aquela região Noroeste do Espírito Santo era foco de Hanseníase.
Estávamos a pouquíssimos kilômetros de Minas Gerais, nosso Estado vizinho, e não tínhamos notícias de que os Executivos mineiros costumassem passar por ali, pelo menos para dar uma olhadela na Região do Contestado, tempos atrás campo de batalha em disputa pelos dois Estados.
Tive medo.
Medo de tudo que eu via e da multidão de marimbondos que picavam meus pressentimentos nada otimistas.
Estou certa de que em algum momento um baita arrependimento de ter vendido meu carrinho tão novinho tocou a campainha do meu coração.
Deixei que tocasse e subi a ladeira que era meu quintal.
Melhor fazer um café e comer um pão-com-manteiga, porque agora nenhum arrependimento adiantaria.
A Inês era morta.
Então, como se diz por aí, "relaxa... e goza."