Crime premeditado
"Hoje resolvo isso de vez", declarei ao meu amigo. "Todo santo dia, a mesma coisa! Não dá!"
"É? O que vai fazer?", perguntou-me, incrédulo.
"Vou matar aquele desgraçado!"
"Matar como? À porrada?"
"Acho que veneno é mais eficiente. E menos cansativo".
Meu amigo riu. "Claro, com você é a lei do menor esforço...", provocou. Não estava me dando crédito. "Não leve isso muito à serio, viu...", aconselhou-me enquanto se despedia.
Não levar à sério?? Eu disse pra ele, faz dois dias que não consigo pegar no sono! Tudo por causa daquele desgraçado, aquelas coisas todas, fica rodando a minha cabeça! Não, isso tem que acabar hoje!
Passei no mercadinho e comprei veneno. Daqueles bem vagabundos mesmo. Porque o importante é matar, não me importa quanto tempo leve!
Ok, isso é mentira. Quanto mais rápido acabar, melhor. Mas não estou podendo me dar ao luxo de desperdiçar dinheiro com aquele desgraçado, que morra sofrendo lentamente!
O riso cínico de meu amigo voltou-me à mente. Se ele estivesse aqui, associaria minha pão-durice a uma falta de empenho da minha parte.
Oras, estou ficando doido? Deixando-me influenciar por uma lembrança, quase devolvi o veneno barato em troca do mais eficiente!
Pra não sucumbir à alucinação, joguei uma nota em cima do balcão e saí correndo, nem me importei com o troco. Tudo bem, o dono é meu amigo, depois eu volto pra cobrar.
Cheguei em casa, cumprimentei meu co-inquilino, tomei banho, cozinhei, jantei, fiz as coisas como se nada estivesse acontecendo. Estávamos sentados no sofá, assistindo o jornal, quando usei a desculpa que estava cansado pra ir dormir.
Obviamente premeditando o crime. Embora de natureza simples, não podia me dar ao luxo de falhar. Ontem, que havia pedido a paciência e quis acertar um tapão no desgraçado, o dito-cujo se esquivou com classe e ainda ficou zombando na minha orelha!
Ah não! Aquela palhaçada ia acabar!
Deixei o veneno na cabeceira da cama e apaguei a luz. Deitei-me na cama, fechei os olhos e respirei profundamente. Quase pegando no sono. Era sempre nesse momento que o desgraçado aparecia.
E dessa vez não foi diferente. Senti sua aproximação sorrateira, como se estivesse me observando com cuidado. Mexi-me de propósito, para ver sua reação, e ele fez uma pausa. Ao ver que eu não me mexia mais - certamente pensando que eu dormia -, voltou a se aproximar.
Achava-se silencioso? Pois eu o ouvia muito bem. Aquele som que parece um sussurrar, um zumbido, se aproximando, desejoso da minha pele, do meu sangue...
"RÁ!" Tentei dar-lhe um tapão, mas o danado tem reflexos rápidos, mesmo no escuro conseguiu se esquivar. Por alguns segundos, ainda tentei duelar, dando tapas no ar, sem nem chegar perto do desgraçado.
Foi enfim que num repente peguei o veneno e esborrifei ao redor! "Morre, desgraçado, morre!!", sem nem me importar com o fato de eu estar no meio da fumaça branca. Apenas prendi a respiração, e agucei o ouvido para tentar ouvir:
........ziiiiiiiiiiiii...ziiiii...ziii...zi.......
...
.
Silêncio.
Saltei correndo da cama, acendi as luzes. Cadê? Cadê?? Cadê?????? Procurei na cama, no chão, até encontrar o desgraçado caído, ainda tentando mover as perninhas peludas. Levantei-o pela asinha, até a altura dos olhos, e gritei:
"Morre, desgraçado! Quero ver me importunar agora!"
Sem muita cerimônia, esmaguei-o entre o polegar e o indicador.
Fiquei tão extasiado que saí pulando até a sala, comemorando. Meu co-inquilino, que apenas desligara a tevê, parou com o controle na mão, olhos arregalados me observando. Eu estava num torpor tão incrível que nem consegui falar. Ele se levantou, e sem dizer mais que o necessário, desejou-me boa-noite e se retirou para seu quarto.
Ah, que me importa que ele me olhe como um louco! O importante é que recuperei minha paz. Agora posso voltar a dormir tranquilamente!
Deito a cabeça no travesseiro, respiro aliviado. Agora... enfim, descanso!
...ziiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiii...
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(obs.: hahahaha olha só, isso foi o melhor que consegui fazer com o tema que você me deu, Mdm H.!)