Pré mortem

Há algumas coisas que eu aprendi durante o meu longo tempo de vida que eu gostaria de deixar registradas. A primeira é: tenha um plano de saúde. O atendimento público nesse país é uma merda. Há 3 anos atrás, minha ex-mulher me convenceu de me associar a um plano de saúde. A anuidade é salgada, mas a compensação é boa o suficiente. Pelo menos eu pude enfartar 2 vezes em paz, sabendo que não vão me largar em uma cama em um corredor sujo. A segunda coisa é: ganhe dinheiro honestamente. Se possível, muito dinheiro. Quando digo honestamente, quero dizer que você não deve botar a mão no que não é seu, nem prejudicar o outro. Se você seguir essas regras básicas, vai poder chegar aos 80 sem insônias ou pesadelos crônicos com 9 mm’s. Se eu tivesse sido burro o suficiente para não aproveitar, durante toda a minha existência, as oportunidades que se abriram a minha frente, não poderia ter ganho o dinheiro que paga meu plano de saúde, afinal. A terceira coisa é: eduque bem seus filhos. Faça-os amá-lo. Obrigue-os, se necessário. Isso eu não consegui. Agora eu estou aqui, fadado a um desfecho trágico, onde a única saída é a morte imediata. Pelo menos a enfermeira tem um cheiro de flor, muito agradável. Nunca fui bom em reconhecer cheiros, mas esse me remete à infância, a algum momento perdido entre o garoto que fui e o velhaco que sou. Mas o mais importante: ame um pouco. Não desenfreadamente como pedem os poetas. Nem inconscientemente como rezam os católicos. Ame um pouco. Porque eu passei a vida toda querendo ser quem eu sou. Desisti de tudo que julguei inviável; prezei pelo certo, escolhi o futuro que tive. Premeditei cada bebida, cada mulher, cada festa. Eu fiz meu futuro. Eu me desenhei a cada dia, me direcionei e terminei como sempre quis: rico, fraco e só. Alguns dizem: “do que importa o dinheiro se não tem amor?” importa muito. Amor se compra sim. Eu comprei minha esposa; meu coração e essa ponte-de-safena. Mas amor de graça é melhor que amor pelos olhos da cara – mas os olhos da cara pelo menos não foram comprados, vieram de fábrica. Ame, então. Para não chegar a minha idade tendo comprado tudo que tem de bom na vida. Ame um pouco. Não desenfreadamente como pedem os poetas – já disse isso? Porque poetas são chatos e pobres. E eu sou rico.

Já não sei quem está na vantagem.

Joao L Terrezo
Enviado por Joao L Terrezo em 12/11/2009
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