O LIVRO QUE ME CATIVOU

Fechei o livro com vontade de chorar. Mesmo tendo consultado o dicionário inúmeras vezes, eu me encantei com a história daquele visitante de outro planeta. Levei dois meses para terminar o trabalho escolar. Naquele tempo, francês fazia parte do currículo ginasial. Uma época em que eu ainda sonhava.

Vinte anos se passaram e eu me preparo para mudar desta casa. Vou trabalhar no exterior enquanto minha mãe irá morar no litoral.

As roupas e os objetos pessoais para a viagem já foram reservados. Basta a difícil tarefa de selecionar as coisas que serão doadas. De início, pensei em jogar tudo fora, eram "tranqueiras". Mas, se eu guardara, deveria ter algum valor para mim.

Na parte superior de um armário, encontro uma pasta com algumas fotos, boletins escolares, medalhas de honra ao mérito, um caderno com tolas poesias, e ... ele: o livro que tanto me emocionou, encapado com papel impermeável transparente.

Ao abri-lo, a poeira mescla-se com nostalgia. Suas folhas estão amareladas. Algumas frases, destacadas a lápis. As palavras continuam em francês. Eu é quem mudei e não consigo mais entendê-las.

Não me lembro dos detalhes da história. Algo a ver com rosas, carneiro, raposas... Só sei que ela me empolgou.

Separo o livro para doação e rasgo o resto. Olho para as medalhas. Fiz tanto sacrifício para conquistá-las e elas não significam mais nada para mim. Entristeço-me. Há poucos registros da minha adolescência. Por um segundo, fico na dúvida, como se não a tivesse vivido.

Agora, estou eu, pronta para começar uma nova vida em Los Angeles. Talvez nunca mais volte. Mesmo porque nada me prende aqui. Nenhum amor, nenhuma grande amizade, nem sequer um bichinho de estimação. Eu me dediquei tanto aos estudos e ao trabalho, que esqueci de cuidar dos relacionamentos. Tenho colegas, mas não amigos. Acumulei dinheiro, mas não saudades.

Até minha mãe ficou contente quando lhe comuniquei que ia embora:

-Agora sim é que você vai ganhar uma boa “grana”, minha filha.

Dinheiro, sempre o dinheiro a mover minhas decisões. Um desejo insaciável de conforto e de projeção social.

O embarque se aproxima. Estou insegura. O desconhecido me assusta. Não aprendi a viver de improviso.

Minha mãe me incentiva. Acompanha-me até o aeroporto. Despede-se de mim com um simples abraço. Ando pelo saguão e procuro uma das revistas semanais para me distrair durante o vôo. Na prateleira, encontro também aquele livro: capa branca com um menino loiro rodeado de estrelas. E o melhor, escrito em português. Num impulso, compro o livro.

Acomodo-me no avião, próximo à janela e aperto o cinto de segurança. No assento do meio, um menino de cabelos cacheados não para de me olhar. Pego o livro e leio a introdução. Ao ver a capa, o garoto se alegra:

-Cê sabe desenhar um carneiro?

Movimento a cabeça, numa resposta negativa, com ar sério de quem não quer conversa.

Pra que perder tempo com um menino que provavelmente eu nunca mais verei?

Prefiro iniciar a leitura e deixo-me conduzir pela imaginação. Acompanho o pequeno príncipe que viajava por estranhos mundos, até descobrir o quanto era importante cultivar a flor que deixara em seu planeta.

"Se tu queres um amigo, cativa-me".

A frase de Saint Exupéry me puxa para a realidade. Olho para o lado. O garoto parece cansado de desenhar em seu caderno. Fala com sua mãe, mas ela está interessada na revista de bordo e pouco responde. Ele se mexe, balança as pernas, chuta o encosto da frente. Precisa de atenção. A mãe simplesmente diz:

-Fica quieto, menino.

Ele sossega seu corpo, mas não o coração. Seu olhar encontra o meu. Um carinho transcende os sentidos. O essencial, invisível aos olhos...

Coloco o livro no colo. Poderei continuar a lê-lo outra hora. Inicio uma conversa e... não é que ele tem coisas interessantes para me contar?

O garoto começa a rir. Um riso aberto, prolongado, contagiante.

Um breve lanche e ele adormece. Eu retomo a leitura e a termino antes da aterrissagem.

O texto de despedida do pequeno príncipe me emociona. Sinto que resgato uma ternura perdida. E, lentamente, fecho o livro com intensa vontade de viver.

Marcia Etelli Coelho
Enviado por Marcia Etelli Coelho em 10/11/2009
Reeditado em 29/01/2010
Código do texto: T1915254
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