É FUTEBOL

Havia 35 anos passados e na memória as últimas cenas de um jogo terminado em um a um. E aquela criança, enganada pelo hoje falecido cunhado e fundador de uma torcida jovem, nunca mais pisara num estádio de futebol. Não havia razão para tal intervalo de tempo, nem uma saudade que pudesse impedir àquelas lembranças. Era tão somente o tempo que passara e aquela criança tornou-se homem e pai.

E sem entender, porque nunca quisera entender, as aventuras e tristezas contadas pelos seus amigos lhe pareciam histórias tão distantes e impessoais que apenas se limitava dizer, num lacônico “fui ao estádio, pela última vez ,quando tinha nove anos”, que nada mais lhe restava que ouvir os comentários e a promessa que um dia iria novamente a um estádio. Para ele não havia essa “paixão” pelo time A ou B, nem se esse ou aquele time ganhara ou perdera, ou, ainda, quem subiu ou desceu ao fim de um campeonato. Era, por assim dizer, um out side em matéria futebolística.

E assim o tempo passou e rompendo a inércia que se estabelece quando se limita deixar o barco seguir seu rumo, convidado por um amigo amante do futebol, sem titubear aceitou o convite feito. E foram assistir Santos e Náutico. Seu amigo, um santista crítico tinha seus “objetivos”, mas ele, já aos 44 que nada entendia dessa arte que paralisa os olhos e aflora às mais diversas paixões, seguiram o ritual: compraram seus ingressos, depois de enfrentarem fila, passaram pelo policial que revistava, enfrentaram outra fila para o banheiro e sentaram.

Começa o jogo. Seus companheiros de torcida, como as ondas do mar e as nuvens, mudam de humor e comentários. Explico: o mesmo jogador xingado por uma má jogada era, no segundo seguinte, aplaudido pela mesma jogada, ou, o juiz que era lembrado constantemente da sua mãe, no instante imediato, era elogiado pela boa apitada. Ou seja, num jogo de futebol, pouco importa coerência, bons modos, gentileza, etc. Não dá para querer “boas maneiras” quando a raiz do que se apresenta impede boas maneiras. É futebol, corpo a corpo, correria. É paixão e não razão.

E aquele que vira tal semelhança há 35 anos, não se surpreendeu. Entendeu que se o tempo transcorre e provoca mudanças, no futebol não interfere. O futebol é autônomo do tempo. Tem suas próprias regras e ritos que se repetem a parte do tempo. É futebol, é paixão, é razão na sua desrazão. E o juiz.....? Será sempre a bola da vez, certo ou errado, dependendo do ponto de vista, será sempre o juiz solitário em campo. Estrela que só brilha, sempre dependendo do ponto de vista, na pele da sua mãe. Senhor da partida sem autorização de belas jogadas, carrega nas mãos o apito.

Fim do primeiro tempo, silêncio. Os técnicos de plantão, digo, os torcedores acríticos, cada um tem seu esquema infalível. E o 3, 3 e 4 sugerido por um, é logo repudiado pelo 4, 3 e 3 por outro.

Começo do segundo tempo. A alteração é anunciada e aplaudida. O time mandante do jogo, termo que o outrora garoto desconhecia, toma seu primeiro gol causado por um pênalti controverso, pois alguns concordavam e a maioria não, gera pequena confusão logo esquecida e abafada por um terceiro gol do time mandante do jogo. A vibração irradia o estádio, todo se tornam um. Todos se abraçam e são abraçados. São “crianças” comemorando o prêmio. São “crianças” vibrando seus heróis travestidos de camisa, shorts e chuteira. E o juiz? Eternamente lembrado.

Fim do jogo. O time mandante ganha. A torcida, como numa procissão, calmamente sai esperando o próximo encontro, afinal é futebol e a arena só tem sentido se estiver com esses saudáveis loucos mutantes e parciais, é futebol, é paixão, que bom.