Um caminho para a felicidade
Chegara a tão terrível encruzilhada. Para mim, aquilo não representava apenas mais uma escolha, e sim a conclusão de uma longa e penosa busca, não pelo graal com o sangue sagrado que tanto atraíra os cavaleiros do Rei Arthur, mas sim o graal onde estava armazenada minha felicidade, e naquele momento nada mais importava além disso. A preocupação há muito deixara de ser os amigos, a família, a matéria, a poesia. Agora o cálice sagrado era a Felicidade.
A galeria da esquerda parecia promissora. Era adornada com temas joviais, coloridos, brilhantes e atrativos. A caminhada não parecia muito penosa, e bem mais acessível. O piso era liso, porém parecia seguro, o que dava a mim a idéia de que seria, certamente, o melhor caminho a seguir. A da direita era mais sóbria, igualmente linda, mas parecia mais inacessível. Seus temas eram menos joviais, mais sérios, o que poderia indicar que a caminhada por ali exigiria muito mais responsabilidade e cuidado. A mensagem era clara: somente um dos caminhos levaria ao tão cobiçado cálice.
Meu amigo estava comigo em busca do mesmo objetivo. Combinamos que ele seguiria o caminho da direita, que pareceu a ele o mais razoável e seguro. Eu, atraído pelas brilhantes ilustrações e adornados tapetes, segui rapidamente a galeria da esquerda. Agora só restava esperar que a sorte colocasse o tão sonhado objeto de interesse no meu caminho.
O início ocorreu sem maiores complicações. A cada curva do caminho, a cada milha andada, a cada passada, a cada movimento de respiração me achava mais lisonjeado com o destino, porque minha intuição dizia, e dizia claramente, que eu estava no caminho certo. Meu coração palpitava cada vez mais, quando apareciam no percurso as pedras preciosas que tanto me agradavam os olhos, as cítaras que faziam meus ouvidos delirarem, as vozes sobrenaturais que estimulavam meus mais íntimos sentimentos. Sim, aquele certamente era o caminho certo. Tinha pena de meu amigo, que havia seguido pela direita e talvez não tivesse a mesma sorte. Só restava, no entanto, aproveitar a minha felicidade, já presente, e que se confirmaria com o achado do precioso objeto, ao final da caminhada.
E tudo era admiravelmente bonito. Perfeito, no mais puro sentido que essa palavra pode oferecer. Foi quando, simples e inexplicavelmente, o caminho acabou. Caminhando em certo dia, com os sinos do contentamento a tilintarem freneticamente como nunca antes em minha alma, eis que me deparo com uma parede. Cinza, escura, desagradável. Por que aquilo estava ali? Eu não sabia dizer. Encontrava-me extático, meus sonhos se exauriam e eu começava a chorar. O caminho dos colares de brilhantes, das pedras preciosas, das áureas cítaras divinas, dos tambores metafísicos, dos tapetes adornados, dos espelhos translúcidos... Toda aquela beleza havia se dissipado, todo o destino havia se materializado em um único corpo: a parede cinza, intransponível e irrevogável. O final do caminho. A desilusão da vida. O cessar do frenesi.
Não era possível acreditar no que acontecia. Em um instante tudo estava perfeito. O caminho, a beleza, todas as magníficas sensações que a alma humana poderia provar estavam ali, naquele paraíso, agora há pouco. Agora nada restara, além da desilusão: cinza e imóvel.
Chorar, nada mais haveria que pudesse ser feito. A vida, sim, a própria vida me havia enganado, colocando em si brilhantes e pérolas falsas, que nada mais eram do que iscas para arrancarem de mim o cobiçado cálice.
Eu estava acabado, em prantos, quando uma doce e suave voz me deu mais uma triste notícia. Meu amigo havia fracassado no caminho da direita. Retruquei com a voz: impossível, já que o caminho da direita era o verdadeiro caminho. Meu amigo não poderia ter fracassado. Foi quando ela me explicou que, na verdade, aquele caminho representava realmente a felicidade, mas para trilhá-lo era necessária muita perseverança e, principalmente, o amor incondicional que meu amigo não havia sido capaz de fornecer. Ou seja, ele havia fracassado, mesmo seguindo o caminho certo. Retruquei ainda, dizendo que nada mais adiantaria, já que minha vida estava acabada, por eu ter escolhido o caminho da esquerda. Ainda mais doce e suavemente que antes, ela me explicou que nem tudo estava perdido. Bastava que eu me arrependesse de meus atos e jurasse não me atrair mais tão facilmente como antes. Pensei em discordar novamente, mas lembrei que ela estava sendo gentil em me dar mais uma chance. Cheguei à conclusão de que, se a felicidade me importava, eu realmente faria de tudo para tê-la. Custasse o que custasse.
Ela me transportou à galeria da direita. Reparei que ela era linda, e agora me parecia mais do que isso, pois se sua beleza externa, as pinturas pelas paredes, os detalhes nas vigas e colunas e o desenho clássico e refinado de tudo já eram estonteantes, no interior de cada saguão, de cada túnel, a beleza se mostrava renovada, fresca e enlouquecedora.
Não me cabendo de tanta felicidade novamente, avistei um estranho objeto em formato de taça. Mal cria no que meus olhos viam, mas eu estava diante de nada menos que o Cálice da Felicidade. Corri o máximo que pude e me apoderei da preciosidade, mas dentro dele encontrei apenas diversos pedaços de papel rasgado, que pareciam fazer parte de uma confecção maior. Algo como se houvessem arrancado várias páginas de um livro e armazenado ali. Fiquei curioso mais uma vez, e resolvi conferir se a doce voz que havia me transportado ao caminho da direita ainda me acompanhava. Pedi a ela que me explicasse o que simbolizava tudo aquilo, pois eu já começava a temer.
Ela me tranqüilizou, dizendo que tudo estava correto. Aqueles trinta e dois papéis representavam algumas das impressões que o caminho da felicidade me traria. Eram trinta e duas palavras que pareciam aleatórias, como “amigos”, ”vida”, ”sinceridade”, ”pensamento”, ”passado”, entre outras. Ela me explicou que aquelas seriam palavras extraídas da pureza do sentimento da vida. Achei algo estranho. Pedi uma última explicação. Por tudo que haviam dito a mim desde criança, o Cálice representava a felicidade para quem o conseguisse, portanto eu seria feliz a partir daquele momento e para o resto da vida. Via que o local onde havia encontrado a peça não parecia um final de caminho, nem um salão principal. Tudo indicava que a jornada em busca de meu objetivo, a felicidade, não havia terminado.
Ela me respondeu da seguinte forma:
- Não seja ingênuo. Leve seu cálice consigo, mas nunca se esqueça: a felicidade jamais será um destino a chegar, mas o próprio caminho que você está seguindo.