Tele-Transportados

Tele-Transportados

Em 2002 foi implantado o Programa Nacional de Tele Transporte Livre, PNTL, e várias discrepâncias foram apuradas no córrego Jurubatuba, em São Paulo, capital.

A pesquisadora Sonia Why vem há anos ouvindo os voluntários, profundamente insatisfeitos com o Programa.

- Como foi o seu caso? – pergunta ela para o rapaz de olhos amendoados.

- O fim da lata...- lamenta ele – eu vivia em Quebec cortando árvores e, de repente, quando dei por mim, estava com uma metralhadora deste tamanho, dentro de um banco na zona sul. Ninguém acreditou na minha história...

A pesquisadora volta-se então para uma senhora de cabelos cacheados.

- E você?

- Uma coisa muita chata – pranteou a senhora – eu cozinhava mariscos na minha vila em Cannes e, num piscar de olhos, a polícia estava revistando minha bagagem em Cumbica. Acharam não sei quantos pacotes com uma espécie de talco branco. Tentei explicar-lhes que eu morava em Cannes, falei sobre os mariscos e...

- Ninguém acreditou...- completou a pesquisadora.

- Como você sabe?! – espantou-se a senhora dos cabelos cacheados.

- Estou fazendo essa pesquisa há anos – respondeu a pesquisadora, dirigindo-se para uma menina de 19 anos – e você?

- Eu? Eu tô fula da vida! Dá pra imaginar? Tinha acabado de estrear um show na Broadway, sobre Rui Barbosa, e quando percebi estava de mini saia na Cinelândia, e dentro da minha bolsa acharam uma carteira com 1.500 dólares de um gringo, que eu nunca vi mais gordo. Uma mini saia horrorosa. Fui até algemada.

- E o senhor?

Um sujeito muito distinto, de bigode, disse que era escritor, que passara toda sua vida escrevendo romances e vivendo à pão e água, num bairro de má fama em Londres, até que, em dado instante, alguém cutucava seu ombro dizendo: é sua vez!

- E? – prosseguiu Sonia.

- Ora...eu estava dormindo mesmo, e um tipo cutucava meu ombro e dizia: vai, é sua vez. Era um lugar pavoroso, chamado plenário, cheio de gente, me acusavam disso e daquilo e, ora, o que eu podia fazer? Um segundo antes estava caçando silabas no livreiro, perto do Tamisa, e... de repente isso. Eu negava.

Nesse instante chegam uma viatura do sistema carcerário e uma van preta, nova em folha. Ninguém se mexe. O oficial encarregado se aproxima sem tensão, já que aquela cena se tornara corriqueira.

- Boa tarde, Dra. Sonia – cumprimentou ele, e apenas mexendo as mãos fez com que os detentos se levantassem da beira do córrego e se dirigissem sem palavra para a viatura. A dra. Sonia, que antes fazia pesquisas sobre esquistossomose na região, passou a se interessar pelo caso e desde então não largou mais.

Antes de entrar na viatura, o rapaz de olhos amendoados exclama:

- O computador do Tele transporte está com defeito.

- Eu sei – exclamou ela, excitadíssima, pois o escritor era novidade e ele não entrou na viatura. Entrou na van preta, lamentando, dizendo que queria voltar para os seus livros, que tudo não passava de um mal entendido.

Bernard Gontier
Enviado por Bernard Gontier em 04/11/2009
Reeditado em 08/02/2013
Código do texto: T1904980
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