Chicondião

Chicondião estava desanimado, mas já havia prometido aos amigos que não faltaria àquele coquetel de fim de semana. Há muito já havia concordado, depois de insistentes tentativas por parte deles, em participar daquele sutil evento. Não que ele não gostasse e fosse apenas por forças dos amigos, mas ultimamente todos reparavam que Chicondião estava depressivo, tristonho, por alguma causa que ninguém conhecia. Talvez nem ele mesmo.

Mas o fato é que haveria coquetel e que ele estaria lá. Dançaria com algumas moçoilas e talvez se engraçasse com alguma, mas sabia que tudo duraria no máximo uma noite, nunca mais do que isso.

O coquetel transcorreu sem maiores perturbações, dentro do esperado. Chicondião dançou muito, embriagou-se e terminou por levar uma das belas donzelas festeiras a regozijar-se com seus melhores encantos másculos. A noite foi boa para ambos, e no nascer do sol as ruas da cidade já eram cavalgadas pelos boêmios que regressavam a suas casas. Mas Chicondião não se sentia feliz, apesar de satisfeito. Parecia que faltava algo, não na ocasião em si, mas em toda aquela vida que há tempo ele cumpria religiosamente. Ora, desde adolescente ele sonhava com a vida que agora tinha, com bebida, mulheres e muito, muito dinheiro. Para ele, aquilo sim, aquilo era a felicidade.

Nada na vida precisaria fazer sentido, se ele estivesse embriagado e em companhia de seus réis e suas raparigas. Ah, e como Chicondião havia sido feliz...

E qual era o problema em tudo isso? Muito simples: o problema era que Chicondião não estava feliz como antes. E qual o motivo de viver, se a felicidade não estiver presente? Chicondião sabia muito bem disso, por isso não hesitou em tomar uma das resoluções mais polêmicas de toda a sua existência: dar cabo da própria vida.

Não pensou muito... iria fazer e pronto. Para que ficar se lamentando e se entristecendo com a perda da vida? Ela não lhe trazia mais a mesma alegria, o mesmo gozo, o mesmo encanto, nada que pudesse ocupar seu tempo com prazer e libido como antes.

E a consumação seria tão rápida como a decisão. Sem mais, Chicondião subiu no parapeito de seu apartamento, que não ficava em um andar tão alto, apenas o suficiente para que não lhe restasse sopro de vida após a queda.

Mas parece que a certeza inabalável que sempre fora parte característica de sua vida começava a dar sinais de ruínas. Ele vacilou. Olhou para baixo e viu os cabriolés passando em ritmo rápido por aquela rua, pouco movimentada. Então, como por uma grande coincidência, Chicondião visualizou no parapeito de baixo a figura sinuosa e sensual de sua vizinha Giocondina. Já a conhecia bem. Certa vez, na ocasião da morte do marido, Giocondina batia à porta de Chicondião em busca de consolo, tendo conhecimento também da fama do vizinho em lidar com esses assuntos. Na ocasião, Chicondião a tratou bem. Fez questão de fornecer seus pêsames em um ótimo lençol de tecido francês, tudo regado a um bom vinho e ótimos impulsos e fantasias, onde Chicondião se revelava atencioso e voraz, de forma que a vizinha viajava em seus delírios e esquecia completamente da figura já apagada do marido morto. Dando cabo da vizinha, a notícia correu de tal forma que Chicondião começou a receber visitas freqüentes não só da viúva, mas também de suas amigas e parentas, todas interessadas em um pouco de consolo. E ele era feliz.

E naquele parapeito, suando agora como louco e admirando aquela figura incessantemente bela, em seu esplendor de seminudez doméstica, Chicondião se sentia feliz novamente. Agora ele podia compreender que sua vida entrara em uma nova fase, não mais a fase da felicidade, da boemia, da promiscuidade e do encanto noturno, mas via agora seu contentamento na figura cada vez mais diurna, mais quente, mais viva e mais sensual de Giocondina.

A vizinha o viu. Jamais imaginou que Chicondião tinha a intenção de suicidar-se, mas cuidou de deliciar-lhe com a melhor visão que podia fornecer de seu vistoso decote, que ganhava um realce especial quando visto de cima, como nesse momento. Chicondião admirava sem pudor. Estava acostumado àquilo, mas tudo agora deixava de ser colorido apenas pela luz utópica da lua, e ganhava todos os matizes que o sol conseguia fornecer em seu máximo calor.

Chicondião desceu do parapeito e foi ter com a amante. Descia a escada pensando no que havia revolucionado tanto sua maneira de pensar e agir. Havia, pela primeira vez na vida, mudado uma decisão por causa de uma mulher. Aquela com certeza era especial, foi o que concluiu o apaixonado residente.

Chegou à porta da vizinha, que já estava destrancada para sua recepção, como de costume. Ela, somente para conferir se as respostas continham o mesmo teor de antes, perguntou se o vizinho estava precisando de alguma coisa. Chicondião não perdeu o bom-humor e emendou a resposta:

-Não, obrigado. Dessa vez eu só vim agradecer.

Leandro Domiciano
Enviado por Leandro Domiciano em 30/10/2009
Reeditado em 23/11/2009
Código do texto: T1896648
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