A Pequena Cidade

Depois do entardecer e da agitação cotidiana, a noite se instalou tão de repente que o frio impulsionou todos os moradores daquela pequena cidade para dentro de suas casas.

Taramelas, portas cerradas. Silêncio. O que era luz agora é treva. Lua alta esparramando sua nuvem esbranquiçada que dançava por entre as baixas ondas produzidas pelo vento e um lago. Um relâmpago serpenteou como uma cabeleira assustada das nuvens do horizonte, seguido alguns minutos depois por um trovão longínquo, como o som da cavalgada das valquírias. O vento uivava baixinho ao lamber os galhos. Luzes eram poucas. Apenas uma bicicleta com um farol aceso de um viajante deslizava silenciosamente pelas ruas. Uma sombra. Ouviu-se o latido de cães, suprimido ao longe. Alguém passou pela igreja à meia-noite rapidamente se benzendo...

Nesta cidade a noite não é abalroada por dança, música e pessoas. A vastidão de alguma quietude ou medo se instalou no local. O vento minuano da imaginosa sensibilidade humana soprava forte ao cair da noite. Desde décadas a imaginação tomava de conta do real naquela pequena cidade.

Apesar de pequena, dava-se espaço para tudo o que pudesse contar. Logo, a avalanche de idéias fantasiosas tomava conta das férteis cabeças das pessoas com histórias mirabolantes e quase agressivas à racionalidade. Todas as noites seriam iguais. Todas as pessoas se enclausurariam dentro de suas moradias, apagariam as luzes, deixando apenas a vacilante chama de uma vela à mercê do vento na pira da casa. Todos se benzeriam ao passar pela tão sagrada Igreja. Esta cidade não recebeu as verdadeiras verdades que foram lançadas sobre nós, não conheceu uma parcela de ganhos e uma pequena parcela de perdas do progresso. O primeiro lugar onde aqueles cidadãos buscam conforto é no prazer. O segundo lugar, no que lhes parece mais conveniente e esperançoso. A verdade é uma navalha. Graças a nós. A mudança veio rápida com a contemporaneidade que caiu sobre nossas cabeças vertiginosamente.

Talvez um dia as travas das portas sairão dos lugares e se abrirão. Hoje, porém, a única luz que iluminará no céu será a da lua... Depois será a nossa luz. Protegerão os cidadãos dessa cidades suas cabeças com vagas idéias que sempre lhes foram lançadas... Mas outros poucos optarão por sair à noite e aproveitar a luz da lua.

Aquela mesma luz que dança na margem do lago que murmura baixo cantando o hino noturno.

27 de setembro de 2007, Fortaleza.

Pedrosa de Souza
Enviado por Pedrosa de Souza em 28/10/2009
Código do texto: T1892774
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