O HOMEM E O PASSARINHO

Aquela mansão representava o símbolo da burguesia, fruto de um passado não muito distante onde reinara a opulência e ostentação. Hoje tombada pelo patrimônio histórico abriga um espaço cultural.

Dotada de rara beleza arquitetônica, possuía em cada detalhe o tom de mais requintado bom gosto, quer fosse por suas portas e janelas entalhadas por artesãos franceses ou suas colunas reluzentes esculpidas por consagrados escultores.

Seus vitrais haviam sido sutilmente projetados no propósito de serem remanejados dando ênfase a cada estação do ano.

O conjunto de magnificentes lustres exibia o esplendor dos mais raros cristais e com invejável altivez eram alçados por correntes de ouro maciço.

O complexo de paredes e colunas revestidas de madeiras nobres eram na verdade uma esplendorosa galeria de arte expondo obras dos mais renomados pintores.

A harmonia da beleza era tão radiante que nem mesmo, o mais perspicaz observador seria capaz de descreve-la, sem, contudo omitir suas riqueza de detalhes, assim como quem do alto de uma montanha contempla toda beleza da natureza e não consegue captar toda sua maravilha.

Seus jardins possuíam as mais belas espécies de plantas de esmerado bom gosto paisagístico e um grandioso universo de flores desabrochava a cada momento, rendendo homenagem ao harmonioso conjunto de rara beleza capaz de emocionar até mesmo aos mais insensíveis observadores.

Recém-formado em arquitetura fiquei extasiado diante de tanta magnitude e decidi que deveria conhecer a vida de seu criador. Sempre fora fascinado pela beleza e precisava conhecer a essência daquela grandiosidade pensando, em talvez um dia escrever um livro narrando a estória daquela maravilha ou com sorte seguir a mesma trajetória de seu mentor o qual confesso, já admirava e invejava, pudesse eu vir a construir algo semelhante ou, até mesmo mais magistral.

Durante dois anos percorri cartórios, consultei jornais da época, indaguei a amigos da classe média, até que finalmente consegui localizar o neto de uma serviçal que havia trabalhado na mansão no período em que seu primeiro dono a habitara.

Tratava-se de jovem cuja humildade era associada a uma invejável educação provavelmente, herança de sua avó, em sua longa convivência com pessoas de fino trato.

Relatei-lhe toda trajetória percorrida até chegar a ele e o objetivo de meus propósitos, no que me ouvia com prestimosa atenção e ao final de minha narrativa disse:

- “Tudo o que o senhor deseja saber sobre o mentor intelectual daquela obra resume-se na estória que minha vó ilustrou e contava-nos como uma verdadeira” lição de vida “.

- “Por favor, gostaria muito de conhecer essa estória. Por gentileza conte-ma!”

- “Pois não senhor! E começou sua narrativa...”.

O homem exibia orgulhoso um passarinho exuberante em suas cores, cativo em sua gaiola de ouro reluzente. Em seu exíguo espaço pulava de poleiro a poleiro e, vez enquanto, feria-se ao esbarrar nas grades de seu pequeno cárcere “.

A cada trinado seguia-se um canto indescritível, lindo, o qual ecoava por toda extensão da suntuosa residência que ele como filho único de um milionário, havia herdado e, acima de todos os limites de excentricidade, promovia grandes festas para alta sociedade, as quais terminavam em verdadeiras orgias semelhantes às praticadas pelos imperadores da Roma antiga.

Havia uma serviçal que desde menina ali trabalhava e durante os dias que se seguiam às festas realizadas exauria-se em organizar a mansão que, a julgar pela desordem reinante podia-se deduzir a extensão dos excessos praticados.

O homem era alvo da inveja dos que como ele, professavam aquele tipo de vida, não enxergando nenhum valor acima das coisas materiais e, por serem assim, cobiçavam com muito fervor o que o homem mais se orgulhava que era o canto de seu passarinho em sua gaiola de ouro.

O tempo foi passando e o homem dilapidando suas riquezas em orgias e excentricidades até que finalmente entrou em profunda decadência financeira até chegar ao estado de mais absoluta miséria.

Mudou-se para um casebre situado em um bairro muito pobre levando consigo o passarinho, único “amigo” que lhe restara.

O inexorável tempo foi passando e sem ter como prover suas necessidades básicas decidiu que não lhe restara outra alternativa senão a de vender seu precioso e único amigo.

O passarinho já não ostentava a gaiola reluzente e sim uma caixa de charutos, improvisada como cativeiro. O homem levando nas mãos tremulas a caixa, foi tentar vende-lo na feira livre.

Os movimentos de preservação das espécies faziam coro mundial cobrando das autoridades maior empenho para coibirem o comércio de animais silvestres. Com isso, o IBAMA intensificou a fiscalização e como conseqüência o homem foi preso e o passarinho imediatamente solto na floresta.

Em estado da mais absoluta depressão o homem relembrando seu passado lamentava toda sua desdita, porem o que mais o entristecia era a saudade de seu passarinho.

Certo dia, após mais uma noite de insônia, aos primeiros raios de sol, viu através das grades de sua cela, pousar em seu peitoril o passarinho que ele tanto amava.

Com o coração acelerado, pernas trêmulas e corpo combalido, reuniu as forças que ainda lhe restavam, levantou-se do leito e pediu-lhe que cantasse. Porém o inexcitável passarinho detinha-se em observar os detalhes fétidos de sua cela. Em seguida fitando-lhe os olhos marejados de lágrimas, bateu asas e voou.

O homem ficou horas mergulhado em prantos até que finalmente, percebeu que, a luz da verdade o passarinho jamais fora seu, pois que ao ver-se livre retornou apenas para ensinar-lhe que sem liberdade não existe alegria e quando em cativeiro, seu canto, era apenas um pedido de socorro e um triste lamento o qual sua total ausência de sensibilidade jamais pudera perceber, pois que sendo ele um passarinho só possuía essa forma de expressar seus sentimentos, enquanto a ele fora concedido o privilégio de poder chorar...

Profundamente emocionado, agradeci ao jovem a inestimável colaboração, na qual aprendi que meus valores deveriam de imediato ser revistos, pois a sublime beleza reside nos valores morais da vida, e as maravilhas criadas pelo homem se comparadas às virtudes dignificantes são efêmeras e insignificantes, visto que estas sim permanecem incólumes por toda eternidade.

A partir daquele encontro minha vida realmente mudou, mantinha a mesma admiração pelas artes, porém de uma forma serena e contemplativa e não com os olhos de quem outrora só pensava com ambição e frustração de não ter como possui-las.

Redirecionei meus rumos e deparei-me vendo tudo que de melhor a vida me ofertara sem que jamais tivesse percebido. Pude sentir o perfume das flores, o cântico dos riachos, as ondas do mar quebrando sobre os rochedos, os pingos da chuva brilhando e bailando sobre as folhas do jardim, a beleza da aurora boreal, o cantar do seresteiro a luz do prateado luar, os raios de sol iluminando meus caminhos, toda ternura de um sorriso de criança, o cântico sublime da mãe embalando seu neném e tudo de belo que a vida nos oferece gratuitamente que dado sua grandeza, seria impossível até mesmo um magistral poeta descrever.

Atrelado à lição que aquele pequeno passarinho em seu silêncio havia passado àquele homem, encontrei o verdadeiro sentido da felicidade que a todos rodeiam, porém muitos ignoram por insistirem em manterem encarcerados em “gaiolas de ouro”, o próprio coração.

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FalcaoSR
Enviado por FalcaoSR em 22/05/2005
Reeditado em 09/04/2010
Código do texto: T18910
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