O TOMBO
Cap III
A ZONA
Enquanto lavava o rosto nas águas do Rio Panquinhas, olhei para aquele céu tão belo que me cobria.
Pensei “isto não é um céu... isto é uma abóboda celeste na verdadeira expressão da palavra...”
Molhei também os pés e fui andando por um caminho entre plantas rasteiras, em direção ao limite com o vizinho.
Percebi que uma construção avançava em uns metros para meu quintal.
Olhei em direção à cerca que partia de cima e estava desmanchada naquele pedaço.Tive certeza de que, em linha reta, ela passaria por cima da casa.
Era uma casinha comprida, com várias portas dando saída para um lugar comum.
Ao lado de cada porta, uma pequena janela.
Alguns minutos parada, observando a construção, uma mulher em trajes mínimos saiu com uma garrafa de alguma bebida direto no gargalo e um cigarro entre os dedos, enquanto um homem aparentemente alcoolizado a segurava na cintura.
A certa altura ela me viu, cutucou seu acompanhante que saiu às pressas, deixando-a só.
A mulher entrou pela mesma porta de onde saíra, fechando-a e fechando também a janelinha, batendo com força.
Talvez raiva.
Voltei à minha casa, fechei tudo e fui à casa do Esdon Machado pedir opinião sobre o que fazer.
O Edson Machado era um antigo amigo nosso, Promotor de Justiça em outra Comarca, mas residente em Pancas.
Expus o ocorrido e ele foi categórico:
- Miriam, naquela região a Tia Lica instalou seu prostíbulo, porque teve que sair de onde estava antes.
Melhor conversar com ela devagar, pois só de puta ela tem mais de 60 anos. É macaca velha na praça.
Chame o Renilton para ir com você. Não vá sozinha.
Aceitei o conselho e fui à casa do Renilton, amigo de infância e vizinho de minha mãe.
Ele concordou imediatamente e foi comigo à casa de Tia Lica, nome de guerra, pois seu nome civil era Rafaela Murgia.
O Renilton chamou Tia Lica, pediu licença e foi entrando, segurando em minha mão.
Apresentou-me com as devidas recomendações e Tia Lica pediu que eu chegasse mais perto, para que me visse melhor,
tecendo os elogios de praxe.
Também fez as queixas de praxe. Disse-me que estava velha, gorda e doente e não tinha para onde ir. Seus dias eram sobre aquela cama dura. Em seus mais de 100 kg não andava mais.
Pediu uns metros de tecido para fazer um vestido, dizendo que nem roupa tinha mais.
Pediu também alguma bala doce, pois estava com muita vontade de chupar bala de mel.
Olhei Tia Lica e tive pena. Seu olhar era tristonho, suava sem parar naquele Dezembro de 44° entre as pedras que cercam a cidade.
Usava algo que me parecia uma canga, apenas para cobrir o corpo obeso em dobras que se sobrepunham.
Os cabelos em desalinho, meio pintados, meio brancos, meio sei lá o quê.
Mostrava-se cansada. Falava devagar.
Qualquer um faria o que quisesse com aquela mulher indefesa , que dependia de todos, até para necessidades fisiológicas.
Tinha algo intrigante ali.
Fui ao centro da cidade, comprei o tal pano para fazer um vestido, as balas de mel, voltei com o Renilton e lhe disse:
- Dona Lica, tudo bem. Entendo a situação da senhora. Mas tão logo consiga outro local para instalar-se, mande um recado ao Renilton e ele me avisará.
Virei aqui para desmanchar a parte que está em meu terreno e fechar esse buraco que foi aberto na cerca.
Ela agradeceu comovida e me disse que não haveria tempo para muita coisa, pois sabia que a morte se aproximava.
Tomou minha mão e beijou.
Sinceramente, fiquei emocionada, emoção que passou no instante em que um homem entrou no quarto falando alto e uma outra mulher pegou uma vassoura, fingindo que varria.
O homem chamava-se Manoel.
Não gostei dele.
Cap III
A ZONA
Enquanto lavava o rosto nas águas do Rio Panquinhas, olhei para aquele céu tão belo que me cobria.
Pensei “isto não é um céu... isto é uma abóboda celeste na verdadeira expressão da palavra...”
Molhei também os pés e fui andando por um caminho entre plantas rasteiras, em direção ao limite com o vizinho.
Percebi que uma construção avançava em uns metros para meu quintal.
Olhei em direção à cerca que partia de cima e estava desmanchada naquele pedaço.Tive certeza de que, em linha reta, ela passaria por cima da casa.
Era uma casinha comprida, com várias portas dando saída para um lugar comum.
Ao lado de cada porta, uma pequena janela.
Alguns minutos parada, observando a construção, uma mulher em trajes mínimos saiu com uma garrafa de alguma bebida direto no gargalo e um cigarro entre os dedos, enquanto um homem aparentemente alcoolizado a segurava na cintura.
A certa altura ela me viu, cutucou seu acompanhante que saiu às pressas, deixando-a só.
A mulher entrou pela mesma porta de onde saíra, fechando-a e fechando também a janelinha, batendo com força.
Talvez raiva.
Voltei à minha casa, fechei tudo e fui à casa do Esdon Machado pedir opinião sobre o que fazer.
O Edson Machado era um antigo amigo nosso, Promotor de Justiça em outra Comarca, mas residente em Pancas.
Expus o ocorrido e ele foi categórico:
- Miriam, naquela região a Tia Lica instalou seu prostíbulo, porque teve que sair de onde estava antes.
Melhor conversar com ela devagar, pois só de puta ela tem mais de 60 anos. É macaca velha na praça.
Chame o Renilton para ir com você. Não vá sozinha.
Aceitei o conselho e fui à casa do Renilton, amigo de infância e vizinho de minha mãe.
Ele concordou imediatamente e foi comigo à casa de Tia Lica, nome de guerra, pois seu nome civil era Rafaela Murgia.
O Renilton chamou Tia Lica, pediu licença e foi entrando, segurando em minha mão.
Apresentou-me com as devidas recomendações e Tia Lica pediu que eu chegasse mais perto, para que me visse melhor,
tecendo os elogios de praxe.
Também fez as queixas de praxe. Disse-me que estava velha, gorda e doente e não tinha para onde ir. Seus dias eram sobre aquela cama dura. Em seus mais de 100 kg não andava mais.
Pediu uns metros de tecido para fazer um vestido, dizendo que nem roupa tinha mais.
Pediu também alguma bala doce, pois estava com muita vontade de chupar bala de mel.
Olhei Tia Lica e tive pena. Seu olhar era tristonho, suava sem parar naquele Dezembro de 44° entre as pedras que cercam a cidade.
Usava algo que me parecia uma canga, apenas para cobrir o corpo obeso em dobras que se sobrepunham.
Os cabelos em desalinho, meio pintados, meio brancos, meio sei lá o quê.
Mostrava-se cansada. Falava devagar.
Qualquer um faria o que quisesse com aquela mulher indefesa , que dependia de todos, até para necessidades fisiológicas.
Tinha algo intrigante ali.
Fui ao centro da cidade, comprei o tal pano para fazer um vestido, as balas de mel, voltei com o Renilton e lhe disse:
- Dona Lica, tudo bem. Entendo a situação da senhora. Mas tão logo consiga outro local para instalar-se, mande um recado ao Renilton e ele me avisará.
Virei aqui para desmanchar a parte que está em meu terreno e fechar esse buraco que foi aberto na cerca.
Ela agradeceu comovida e me disse que não haveria tempo para muita coisa, pois sabia que a morte se aproximava.
Tomou minha mão e beijou.
Sinceramente, fiquei emocionada, emoção que passou no instante em que um homem entrou no quarto falando alto e uma outra mulher pegou uma vassoura, fingindo que varria.
O homem chamava-se Manoel.
Não gostei dele.