Impossibilidades virtuais 1 - A jaqueta de couro

Havia alguns dias que se falavam pelo computador, trocando mensagens instantâneas. Ele se encantou com ela, uma bela mulher madura, sofrida mas espirituosa, simpática e inteligente. E ela, empolgada com aquele rapaz um tanto mais jovem, que enchia suas noites de conversas bem humoradas e doces. Tantas coisas em comum... Através das câmeras, que ela havia recém adquirido apenas para vê-lo, acompanhavam-se quase que diariamente, e em intermináveis diálogos virtuais o tempo passava sem que se dessem conta dele.

Numa dessas conversas, ele sugeriu a ela que finalmente se conhecessem pessoalmente. Ela ficou um tanto assustada, afinal estava-se iniciando nesse mundo virtual... mas ele acabou quebrando o gelo, ao propor-lhe irem ouvir um rock num bar. E ainda brincou:

-Se prepara, gata... você põe sua jaqueta de couro, eu passo aí na minha Harley Davidson e te boto na garupa!...

Porém, como é muitas vezes comum no mundo virtual, o convite ficou no ar. Continuavam se falando diariamente, mas nada de concreto acontecia. Um dia ele se cansou um pouco de tanta virtualidade, aproveitou umas férias em atraso e foi viajar, sem carregar consigo nenhuma conexão com o mundo – levou apenas seu violão. Ficou uma semana longe de tudo, respirando o ar fresco da montanha, acordando com o sol e indo dormir com os pássaros. Voltou renovado.

Depois dessa semana de vida real, ele retomou suas conexões paralelas. Assim que ligou seu computador, ela apareceu e lhe enviou uma mensagem – em letras maiúsculas, que na linguagem virtual significa gritar:

-COMO VOCÊ PODE SUMIR ASSIM? O QUE VOCÊ PENSA QUE EU SOU? ALGO DESCARTÁVEL, QUE SE USA E JOGA FORA? VOCÊ SOME SEM DIZER NADA, E EU COMO FICO? UMA SEMANA SEM NOTÍCIAS... E AGORA, O QUE FAÇO???

Ele não entendeu nada, nem sabia o que responder. Não podia conceber que inocentes conversas via mensagens instantâneas poderiam ter tomado um rumo tão sério; claro, deveria ser uma brincadeira. Enquanto pensava como agir, ela continuou na mesma toada, falando alto em maiúsculas:

-O QUE EU DEVO FAZER? JOGAR FORA? DAR PRA ALGUÉM? ME DIZ, O QUE É QUE EU FAÇO AGORA COM ISSO???

Assustado com o destempero de alguém que havia julgado equilibrada e bem humorada, ele arriscou perguntar:

-O que você faz... com o que, exatamente?

Ela respondeu, numa histeria quase real:

-COM A JAQUETA DE COURO QUE COMPREI...!

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Um beijo de agradecimento ao Carlos Eduardo pela idéia do conto - e da série!