APROVEITANDO O TEMPO
Como toda cidade grande, São Paulo, para conhecê-la, exige tempo, pernas e, se se quer conhecê-la historicamente para entendê-la no presente, três coisas são fundamentais: primeiro ter a curiosidade de querer saber o quê cada monumento representa e, em seguida, procurar livros, visitar exposições que tratem do assunto em questão e, por fim, ter a sorte de conhecer pessoas, mais velhas, que nos contam o que sabem.
Assim, a história que se segue começa num tempo longínquo, mas que autoriza à memória contá-la.
Como já dissera noutras ocasiões comecei minha vida profissional trabalhando de office-boy. Era uma vida de idas aos bancos, cartórios, fórum, etc. Como um bom boy, e esse era quase um macete da carreira, conhecia todos os caixas dos bancos, os funcionários dos cartórios, do fórum, de modo que ficar na fila, fisicamente, era uma prática evitada (não furava fila, apenas, adiantava meu expediente) na base da camaradagem. Todas as coisas de bancos eu deixava com um caixa conhecido e combinava de pegá-las depois, e se esse caixa tinha um carnê de uma loja, eu me comprometia de pagar para ele, ou seja, ele adiantava meu lado e eu o dele. Nos cartórios idem, fórum, a mesma coisa. E assim todos tinham seus afazeres resolvidos.
Com o tempo que "sobrava", aproveitava para conhecer pontos da cidade. Assim fiquei sabendo que o obelisco no Largo da Memória era uma referência àquela localidade como caminho obrigatório dos viajantes que ali paravam para encherem seus cantis na bica ali existente. Era, também, o local onde a população da redondeza se reunia.
No Páteo do Colégio, vi para minha surpresa, a primeira parede do que fora o nascedouro dessa grande cidade. Lá visitei a igrejinha com os restos mortais (a tíbia, para ser exato) do padre Anchieta ou Manoel da Nóbrega.
Na Catedral da Sé, fui conhecer a cripta do cacique Tibiriça e do padre Diogo Feijó, o primeiro por ter escolhido o terreno onde seria erguido o primeiro templo da cidade, e o segundo, como um reconhecimento dos seus serviços prestados na época final do primeiro e início do segundo impérios.
Do bairro da liberdade, soube que o nome atribuído se refere por ali ter sido uma região de muitas fazendas na época da escravatura, e também porque aquela região era habitada pela maioria dos abolicionistas. O nome do fórum joão mendes se refere a um desses abolicionistas. A Rua Benjamim Constant, também. E segundo seu Jonas, um senhor que conhecera na padaria Sta. Tereza, esse ponto comercial já tinha mais de cem anos e que quando se deu a abolição, foi nessa padaria que se comemorou "tão esplendor acontecimento".
A Igreja dos enforcados, também na Liberdade, é em referencia aos condenados, a forca, que para lá eram levados para receberem o perdão divino.
As lembranças são muitas e pelo tempo transcorrido, podem trazer alguma imprecisão, mas o que mais importa é que se como boy soube usar dos macetes da profissão, também soube aproveitar o tempo "ocioso" para conhecer um pouco mais essa cidade que tanto gosto. Bons tempos aqueles em que as portas cerradas só mesmo quando o patrão descuidado passava uma conta a ser paga quase na hora do banco fechar, e aí, o corre-corre era geral.
Categoria: Outras histórias
Autor(a): Silvio Lima | história publicada em 23/1/2007, No Saopaulominhacidade.com.br