MINHA PRAÇA

É certo que para cada habitante dessa cidade, a relação que cada qual tem com ela é única. A cidade, assim, tem para cada cidadão uma importância pessoal. Pode ser uma praça, um museu, um cinema, uma galeria, enfim, se perguntar a cada um qual é para ele o lugar mais marcante, muito provavelmente citará um desses já mencionados. Procurar a razão da escolha, será quase uma invasão, pois, muitas das vezes essa preferência relaciona-se com sentimentos que trazem à lembrança o amor não consumado, noutras, as reminiscências podem estar ligadas a fatos que fazem parte da sua história pessoal amalgamada com a história política do país.

Como tanto outros paulistanos se me perguntarem o que mais me agrada em São Paulo, as respostas, dentre tantas possíveis, serão a lembrança das Diretas Já e uma outra que mudou minha vida.

Era, por assim dizer, a agonia de um regime iniciado com o golpe de 64. Por mais de vinte anos fomos alijados do processo decisório, não escolhíamos nossos representantes e os que se opuseram a esse quadro, estavam, em grande parte, retornando do exílio após a lei da anistia, promulgada em 1979. Tendo a achar que seja esse retorno o real impulso para que a vontade de interferir na vida política brasileira, pouco a pouco começou o tomar corpo.

E foi assim, que de pequenas passeatas pedindo eleições diretas, logo adquire características gigantescas.

Lembro-me do famoso comício da Praça da Sé. Por ser o marco zero da cidade, era natural que ela fosse o local para tal evento. A Sé, como é carinhosamente por nós chamada, já fora palco de outros eventos históricos: lá rezou-se a missa em homenagem a Vladmir Herzog,mais conhecido como Vlado. A Sé fora palco de muitas greves, lá, também, realizou-se a missa em deferência a Tancredo Neves, etc. Não seria surpresa tê-la mais uma vez como símbolo de um movimento que desejava por fim a um período triste da nossa história.

O comício da Sé reuniu artistas, músicos, intelectuais, ex-exilados.

Era de fazer correr lágrimas ver o povo pedindo eleições diretas; de mãos dadas todos cantávamos o Hino Nacional( foi nesse comício que me apaixonei pela música "Menestrel das Alagoas", cantada pela Fafa de Belém, letra do brilhante Milton Nascimento). Era realmente emocionante ver o povo em uníssono pedindo eleições diretas, após mais de vinte anos excluídos do processo de escolha.

As diretas não veio naquele momento, a emenda constitucional que a instituiria não passou no Congresso. Ficou o grito abafado pela escolha de Tancredo Neves eleito indiretamente presidente do Brasil. Era o primeiro civil eleito presidente após mais de duas décadas de regime militar. Já era uma mudança, concretizada, de fato,em 1989, com a eleição de um presidente eleito diretamente pelo povo.

Comecei este texto, dizendo que a cidade tem para cada habitante uma relação pessoal. Disse que essa convivência pode estar ligada a locais, eventos, sentimentos amorosos consumados ou não. No meu caso particular, a cidade de S.Paulo, tem duas ligações marcantes: a primeira já expus, é um evento histórico para a política brasileira; a segunda, se refere a um sentimento amoroso, porque foi na Sé que conheci a mãe dos meus filhos, e com a qual convivo há 18 anos. Nos conhecemos no dia treze de maio de 1988, ano em que se comemorava 100 de abolição da escravatura, numa passeata que se iniciou na Sé, percorreu todo o centro novo e velho de São Paulo, e terminou na saudosa Sé. Posso dizer que a Sé faz parte da minha vida, pois, foi nela que iniciei minha vida profissional(como boy) e permaneço até hoje trabalhando noutra carreira, mas, ainda, na Sé.

Categoria: Paisagens e lugares

Autor(a): Silvio Lima | história publicada em 11/1/2007, No Saopaulominhacidade.com.br