CORPO SECO - O Morto Vivo - 25/10/2009 - Lia Lúcia de Sá Leitão

HUM! A vida é muito divertida, principalmente quando cruzamos esse país de dimensões continentais em busca das histórias maravilhosas alimentadas pelo imaginário popular. Pesquisei sobre a Velha Pisadeira em Anahy uma cidadezinha daqui do Oeste do Paraná que é linda! Todos se conhecem e o ponto de encontro ainda é a Praça da Matriz.

Não quis ficar para pousar em Anahy apesar da receptividade das pessoas. Resolvi atravessar para uma cidade pouco maior que pudesse ficar bem acomodada num hotel.

Retornei a viagem por volta das 20h, naquela noite tudo estava mais escuro, só os faróis alumiavam a estrada sinuosa e acidentada, o frio varria os campos de plantio de café, soja, milho, as folhas dançavam uma música estranha, um uivo, um ronco, nada que uma prosopopéia ou personificação pudesse explicar aquela voz assombrosa do vento numa ária e gelar a alma.

O GPS do carro indicava a proximidade da BR que me levaria até Corbélia, mais uns quinze minutos e chegaria ao trevinho, mas algo me chama atenção, um vulto magro e esquelético acenava no meio da estradinha tortuosa, freei o carro que chegou a derrapar para o acostamento, parei assustada, minha alma tremia de medo. Peguei a lanterna iluminei o mundo e nada! Voltei à estrada em alta velocidade, meu juízo não regulava minhas pernas e nem as batidas do coração disparado. Ali, um esmo, aquilo apareceu do nada, podia ser um assalto, a lei da sobrevivência era minha guia, meu desejo era sair dali e acelerei ainda mais o carro.

Cheguei num salto ao trevo, nem olhei a BR direito entrei em alta velocidade e fui melhorando do susto até que tudo normalizou inclusive os batimentos cardíacos. Não associei aquele vulto cadavérico e secarrão ao CORPO SECO, a lenda que procurava conhecer na linguagem do nativo paranaense. Sabia que era uma lenda pouco divulgada, porém conhecida, desde o Amazonas até o Paraná.

A companheira de estudos, fiel escudeira de aventuras estava sem voz. Mesmo azul de medo animou-se em trocar a música do CD para algo bem animado. Voltei a rir e falar sobre que passamos com aquela visagem. Voltei a falar no CORPO SECO e pimba! Um monstro magérrimo, horrendo, despelado entre ossos e peles decaidas acenava com as duas mãos e braços abertos no meio da pista, freei, aumentei o farol, toquei a buzina do carro e acelerei, passei como uma bala tanto que perdi a entrada da cidade de Corbélia e optei em dormir em Cascavel, era susto demais para uma noite.

O morto vivo perseguia o carro, olhava pelo retrovisor e via um vulto quase tocando o carro, quanto mais acelerava mais ouvia aquela gargalhada de monstro. Impressionante só eu via e ouvia! Respirei e pensei, não vou me apavorar, vou relatar a história para a companheira, olhei do lado e ela estava verde de pavor pela velocidade que desenvolvia na BR.

Iniciei timidamente o assunto. Você conhece a lenda do CORPO SECO?

Ele era um homem muito malvado praticava toda sorte de arbitrariedade e certo dia seus pais falaram sobre as judiações que fazia com as pessoas e ele num acesso de fúria revelou que as únicas pessoas que ele ainda não tinha feito nenhum mal foram os pais, mas diante daquela situação eles também sentiriam o peso de sua mão. E não poupou os velhinhos e bateu com tamanha violência que findou por assassinar os pais.

Esse homem ainda viveu anos, mas todo mundo que nasce morre e um dia de tempestade ele enfartou e morreu, ninguém o velou, e a polícia enterrou o seu corpo num cemitério de covas rasas, ou seja, no chão, mas na hora do julgamento no céu, Deus o abominou e o rejeitou, mandando de volta ao cemitério a sua alma, outro julgamento foi eito, dessa vez com o Cão, o Diabo, aquele bicho dono do inferno, que achou impossível alguém pior que ele, e que se o deixasse no inferno seria um concorrente perigoso e também o devolveu para a sepultura com alma, tripa e tudo, sem descanso o CORPO SECO foi rejeitado também pela terra. Todo dia os coveiros enterravam o desgraçado e todo dia ele aparecia em cima da terra insepulto. Assim, o homem ruim apodreceu e ficou horrendo. Sem descanso vagueia sobre a terra assombrando os incautos. Quando o morto vivo passa dias sem assombrar um ser vivente ele se abraça a uma árvore e suga toda a seiva deixando-a seca e sem vida, por isso, toda vez que alguém encontra uma árvore retorcida engalhada e seca pode ter certeza que ali passou o Corpo Seco ou em situação crítica ele pula na jugular da vítima e suga o sangue do coitado levando-o à morte.

Existe uma saída especial para se livrar dessa assombração cadavérica e mal cheirosa do morto vivo. Basta mergulhar num riacho, numa piscina ou se molhar de corpo inteiro, pois, o danado tem pavor a água de rio ou de chuva e se alguém por ventura jogar água benta ele derrete por inteiro mas, logo volta ao castigo e retorna ao ser tosco e horripilante, aquela assombração descarnada.

Lia Lúcia de Sá Leitão
Enviado por Lia Lúcia de Sá Leitão em 25/10/2009
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