RUA OUVIDOR PELEJA

A história que vou contar não é daquelas histórias marcadas por atos heróicos. É uma historia simples que tem como personagem principal a rua Ovidor Peleja, na Vila Mariana. Eu tinha uns oito anos, isso em 72 ou 73, e era o tempo da ditadura. Com essa idade não sabia o que era ditadura, mas vizinhos costumavam dizer que era a força do governo em busca de comunistas. Assim como ditadura, comunista era outra coisa que desconhecia, e segundo o que falavam, eram pessoas perigosas, que roubavam bancos, subversivos.

Com apenas 8 anos, três palavras já me ocupavam a mente: ditadura, comunista e subversivo. Lembro que um dia fui perguntar ao sr.Carolino, já falecido, o que era comunista e ele tampou minha boca dizendo que aquela não era palavra para estar na boca de uma criança. Perguntei o motivo, e a resposta foi de que se a falasse novamente iria contar ao meu pai e "certamente vais tomar um tapa na boca".

Confesso que por muito tempo evitei em pronunciar quaisquer daquelas palavras, mas confesso também que quanto mais as evitava, mais me sentia atraído. Era um tempo de muita tensão, porque via frequentemente carros da polícia andando devagarinho, olhando os rapazes nas calçadas, alguns bem cabeludos e barbudos. Esses eram quase sempre levados pela polícia, mas quase sempre apareciam e tudo voltava ao normal. Uma vez, um desses rapazes sumiu e a rua ficou pensando o que tinha acontecido com ele. Eu achava que estava morto porque os jornais costumavam trazer fotos de pessoas achadas mortas. Muitos anos depois, eu já tinha uns 25 anos, já morava noutro bairro, fui visitar um amigo da V.Mariana e encontrei com esse rapaz que durante muito tempo achava que tinha morrido. De cabelo curto e grisalho, com dois filhos adolescentes. A rua Ouvidor Peleja fez parte da minha infância. Por isso, principalmente, mas é claro que lembro das peladas na rua, dos pipas caindo, dos peões pipocando sobre o asfalto, mas isso todos tiveram e eu resolvi me ater a outros fatos que de alguma maneira fizeram me tornar o que sou hoje: um homem que acredita que se noutros tempos as liberdades eram cassadas, pessoas encarceradas, hoje tempos garantidos direitos que não devemos abrir mão. E que exercer nossa cidadania deve ser uma prática diária.

É isso.

história publicada em 26/12/2006, no SÃOPAULOMINHACIDADE.COM