CAVA DO BURACÃO

Em área de terras, era o final de uma cidadezinha do interior. Até matagais existiam. Eram arbustos típicos e constituídos por região de campo. Não sabemos como os habitantes escolheram um grande espaço, que não nos importa no momento determinarmos o tamanho em perímetro ou área; talvez pela boa qualidade do minério de terra ou areia, propícia à construção de casas. Propositadamente, esse espaço começou a ser cavado, formando aos poucos uma erosão provocada pelo próprio homem. Na época longínqua, carroceiros faziam do seu ganha pão no transporte da areia ou terra que se destinavam à edificação dos proprietários de suas casas próprias, bem mais abaixo, na considerada cidade, aglomerado mais em plena zona urbana. Com essa escavação deu-se origem ao popular e chamado CAVA DO BURACÃO. Como o próprio nome dado, aquele espaço era realmente enorme, daí a sua qualificação em termo na sua forma aumentativa. Era realmente muito profundo, rodeado por altíssimos barrancos. Nos dias de hoje, com o avanço das leis, seria uma enorme infração, considerando-se os cuidados na preservação do meio ambiente, o que em épocas passadas, nada disso se pensava para a conservação das necessidades vitais da natureza à sobrevivência dos seres vivos dos nossos tempos contemporâneos. E ai nasceu a conhecidíssima CAVA DO BURACÃO. Quando o homem saturou esse grande pedaço de terra, ali ficou uma área inútil, ociosa, até infértil! E a cidadezinha foi se desenvolvendo, estendo além da CAVA DO BURACÃO e sua localização passou a divisar o centro baixo para o novo bairro da cidade alta chamado VILA DOS VENTOS. Evidentemente ali naquela grande CAVA, com a chegada das chuvas do verão, aglomerava-se muita água parada, uma vez que, não se sonhava em saneamento básico populacional, tudo muito ao desleixo do primitivismo. Logo, pela ausência de atividades variadas para o lazer do povo, começou a ser uma belíssima atração, onde nos barrancos aglomeravam muitas pessoas observando o grande volume de água ali depositada pelas chuvas, tornando um aplausível lago. Os considerados corajosos e grandes nadadores da cidade ali faziam as suas demonstrações de atletas, dotados às braçadas de travessia e mergulhos. Sim corriam grandes riscos de vida, com registro de afogamentos de adultos conscientes e crianças imaturas, quando não, ferimentos graves, entre pancadas nos destroços de tocos, tijolos, pedras, vidros... até possíveis contaminações de bactérias e insetos danosos pela podridão da água parada, quando as chuvas paravam e o sol escaldante voltava. Mas nada disso importava aos aventureiros, o importante era se destacar e participar pelo dom da coragem. Até realização de importantes campeonatos de natação foram historicamente registrados. E, a tal CAVA DO BURACÃO tornou-se um “CENTRO TURÍSITICO”! Pouco mais tarde, com gestões mais experientes de alguns prefeitos passados da época, fizeram alguns recursos, mesmo simples com manilhas de barro queimado, dando oportunidade para as grandes chuvas se escoarem pela parte baixa ou de entrada e saída por uma importante rua chamada de Capitão Lourenço Jardim. Foi extinta a primeira atração do grande lago artificial da CAVA DO BURACÃO formada anualmente pela própria natureza. Assim mesmo, ela não ficou esquecida ou isolada na sua ociosidade. Veio a criação de um improvisado “campinho de futebol” e grandes competições futebolísticas de várzeas marcaram época. Depois vieram as festas juninas com hasteamento do mastro dos “Santos Festeiros Juninos”. Comícios políticos tiveram o seu espaço. A CAVA DO BURACÃO era popularmente conhecida! Os barrancos serviam de escorregadores às crianças da época; os mesmos tornavam-se lisos pelo uso dos “bumbuns” forrados por papelões de caixas ou saco de juta em estopa. A CAVA DO BURACÃO não parou nisso, passou a ser usado na locação de parques infantis ambulantes que passavam pela cidade. Serviu de descobertas ao povo humilde, apagado, inculto pelas poucas oportunidades de aproximação de invenções e criações advindas dos grandes centros. Passaram a conhecer a disputada roda-gigante, o carrossel, o táxi-maluco, tiro ao alvo, jogos de argolas, etc. Um desses parques trouxe a mulher gorila (mulher que virava esse mamífero); passavam-se horas afinco na fila para conseguir o ingresso para ver tal atração que com medo e gritarias não deixava de se adquirir coragem, atraindo o povo pela curiosidade inovadora, questionada pelos truques, alguns descobriram a verdade: jogo de luzes adicionados por espelhagem, outros acreditavam no sobrenatural, e que mais agitava pelo fato de um campo santo se localizar do lado, achavam que a moça (artista) era tomada por espíritos demoníacos que vinham do próprio cemitério. Crianças mesmo sob a recomendação ou impedimento dos pais teimavam e depois passavam dar trabalho aos progenitores durante à noite com a vinda do sono. O trem fantasma foi outra grande atração, proporcionava ir ao encontro de figuras horríveis, fantasmagóricas, pré-históricas, caveiras, esqueletos, defuntos saindo das suas próprias urnas mortalhas... Assistia-se principalmente pessoas do sexo feminino saírem desmaiadas do interior daquele trem monstruoso. Muitos, muitos... parques tiveram a sua passagem nesse mesmo local. Tablados eram armados para festivais de violeiros, calouros, teatros, capoeiras, catiras, festas juninas... Por se localizar na parte mais alta da época e em processo de desenvolvimento urbano, como teste foi instalada uma torre experimental de rádio amador, um invento que surpreendeu e atraiu milhares de pessoas. Sem contar com diversos circos que ali se instalavam. Um que marcou muito foi o O CIRCO TEATRO IRMÃOS NOGUEIRA. Este permaneceu por quase um ano na cidade nesse espaço chamado de CAVA DO BURACÃO. Os elementos dessa família circense tornaram-se tão populares e convividos com a população que os mais jovens e solteiros contraíram matrimônio com filhos das famílias da pequenina cidade. Alguns habitantes seguiram com o circo, outros do circo permaneceram na cidade, casando, constituindo família com os filhos (as) da terra. As peças teatrais que artisticamente apresentavam eram lindas, repetitivas, mas tinham um índice elevado de freqüência. A peça que teve o seu marco foi “O Ébrio”, uma adaptação de uma música MPB. Grande sucesso da época interpretada pelo cantor Vicente Celestino. O artista considerado, o galã da empresa circense chamava-se Wilson Nogueira, solteiro, disputado pela beleza singela e talento artístico, se quisesse seria o homem de infinitas moças da pequena localidade interiorana. Esse artista contraiu matrimônio com uma jovem de família tradicional da cidade. A despedida desse circo foi muito formal ela patrocinada pela Prefeitura Municipal, deixando muitas lágrimas de tristezas e fortes recordações. Outros tantos circos também passaram montando suas instalações nessa mesma CAVA DO BURACÃO. Muitos habitantes passaram conhecer espécies de bichos selvagens através desses circos. Grandes desfiles de cavalos e bois de raças raras ou comuns eram realizados nesse mesmo espaço com exposições ou vendas através de leilões concorridos entre participantes de toda região e até fora do estado. O ambiente era muito bem preparado com corredores de tábuas, de estábulos, com enfeites de bandeiras, bexigas e outros. Nesses grandes acontecimentos o povo se transformava em forma de multidão; ônibus vindos de diversos lugares transportando proprietários ricos e fazendeiros. Em datas festivas e de grandes comemorações, a exemplo do Natal, dia do Santo Padroeiro, ali eram feitas as queimas dos grandes fogos, entre artifícios coloridos, salvas estrondosas, morteiros e rojões. Passavam por ali Circos Rodeios, chamados de Touradas, os quais davam trabalho aos proprietários, porque devido a formação física do local, as pessoas dos barrancos conseguiam assistirem os espetáculos dos touros bravos e cavalos de montagem, uma vez que, esses circos eram descobertos devido ao gênero e evidentemente de graça sem a compra de ingresso, assistirem de “camarote dos barrancos”. Durante as festividades por ocasião da Festa de Aniversário da Cidade, o grande evento era a participação das demonstrações hípicas da Cavalaria Oficial do Exército. Empolgava muito as pessoas vendo os belos e bem tratados cavalos de montaria com os oficiais especializados em seus trajes militar. Anualmente no Dia da Criança havia distribuição de brinquedos, doces, sorvetes, bexigas à petizada com diversos torneios e competições como: corrida do saco, bandeirinha, pau de sebo, corrida da colher com ovo, braço de ferro, futebol... tudo patrocinado pela Prefeitura Municipal. Até a festa de confraternização, regada com abundância de churrasco e cerveja oferecido ao povo em geral, após as vitórias eleitorais à concorrência do cargo de prefeito eleito, a cada quatro anos, eram feitas no local da CAVA DO BURACÃO. Quem faturava bastante eram os populares vendedores de pipoca, amendoim, maçã do amor, guarda-chuvinha de balas, biscoitos, sorvetes, brinquedos diversos... As festanças eram um meio enriquecedor e lucrativo aos vendedores ambulantes. Alguns anos ali era edificado o grande altar para a Missa Campal de Corpus Cristhis da religião católica sem contar também com os cultos evangélicos que eram comuns em quase todas as manhãs dos domingos. As crianças quando desses eventos se aproximavam dessa CAVA DO BURACÃO observando as montagens, saciando a curiosidade, quando não, ali iam para as brincadeiras de bola, piões, rodar arcos, pneus, jogos de bolinha de gude, soltar pipas, pular cela, etc. A CAVA DO BURACÃO tinha MIL E UMA UTILIDADE! Ela ficou marcada como um MITO, responsável por entretenimentos, registros, tradições e sobretudo HISTÓRIAS e ESTÓRIAS. Ele ainda permanece vivo, tanto pela sua origem como também nunca se cogitou aterrá-lo. Preservando essa enriquecida tradição há quem denominou suas fantasias comerciais com homenagem a esse local, dando o nome dessa CAVA até mesmo como logotipo. Realmente, no ontem, um verdadeiro BURACÃO, famoso pelos eventos realizados, deixando no hoje muitas retrospectivas de acontecimentos festivos, aplausos, alegrias, confraternizações, desenvolvimento cultural... todos que marcaram época para os registros do presente, quando do gatinhar da CAVA DO BURACÃO até os dias contemporâneos de uma emancipada cidade de um interior. Hoje, não mais um palco livre, substituído pelo progresso do espaço físico feliz e valioso dos filhos da terra. Representa a CAVA DA RECORDAÇÃO. Sempre será o “arquivo” de grandes passagens e a ETERNA CAVA DO BURAÇÃO, o PALCO DE ARENA, LIVRE, de um PASSADO DA SAUDADE!


CONTO DESCRITIVO
PASSARELA DE CONTOS
Autor-Historiador- e Ilustração-Foto-(CAVA SEM BOSQUE):
Rodolfo Antonio de Gaspari
roangas
Enviado por roangas em 21/10/2009
Reeditado em 08/09/2010
Código do texto: T1878229
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