O TOMBO
Cap II 

SENHORA DAS ENCHENTES
 
Era manhã de um Sábado ensolarado, do mês de Outubro, 1989.
Como de costume, fui passar o fim-de-semana em Pancas, onde ainda moravam minha mãe, meu irmão e sua família.
Meu pai falecera há 2 anos e era imperioso estar mais presente na casa de minha mãe.
Inexplicavelmente não saía da cabeça a idéia de ter minha casa naquela terra natal, e a casa haveria de ser caiada de branco e janelinhas azuis.
 
Resolvi ir ao Paranazinho, onde nasci. Queria rever a fonte de águas claras e quase geladas onde eu costumava ficar alguns momentos apenas pensando, em minhas férias, algumas vezes lendo O Almanaque do meu Tio Leopoldo.
Foi nO Almanaque que tomei o hábito de ler pensamentos de filósofos como Sócrates e Platão, por exemplo.
Sem falar em meu Tio Leopoldo, filósofo nato.
 
O Paranazinho fica ao Norte do centro da cidade, em uma distância de mais ou menos 2 léguas, no dizer de meu pai, correspondentes a 14km, distância essa que ele fazia todos os dias, a pé ou a cavalo.
Talvez se deva a isso seus 100 anos bem vividos e sem gorduras, sem queixas de cansaço ou qualquer dor.
 
Logo na saída, ao entrar na Rodovia Laurindo Barbosa, km 1 , Estrada Pancas/Alto Rio Novo,para minha surpresa uma placa de VENDE-SE ESTA CHÁCARA fez com que eu parasse imediatamente.
Uma cerca de ripas, no alto do barranco, mostrava uma casinha branca de janelas e portas azuis e telhas francesas.
Opa !
Era tudo que eu queria!
 
Estacionei e subi os degraus de uma escada feita na própria terra, abri o portão e deparei com um jardim de antúrios e outras plantas exóticas, e uma sombra de oitis rodeando a casa.
Surgiu, então, um casal que imediatamente identifiquei como sendo descendentes de imigrantes alemães.
Provavelmente teriam sido moradores de Lajinha do Pancas, um dos nossos Distritos.
Não quis saber muita coisa, apenas o preço e as condições de pagamento.
Não havia muito o que pensar . Tudo já estava pensado, mais que pensado, ainda mais quando pude ouvir o barulhinho de uma cachoeira que ficava nos fundos da Chácara, nas águas do Rio Panquinhos, que fazia divisa a Leste entre a Chácara e a Fazendo do Antonio Breda.
 
O Senhor Leopoldo Gonoring me disse que só poderia fazer negócio com pagamento a vista, pois pretendia comprar uma casa em Guriri, praia do Município de São Mateus, onde seu amigo e antigo vizinho Nelson estava morando.
Ele e sua mulher viviam da produção da Chácara, com pequenas e diversificadas culturas, quais eram o café, urucum, laranjas e limões, mangas, jacas e uma bela criação de galinhas que lhes rendiam 3 dúzias de ovos todos os dias, além de comercializar pintinhos.
Por incrível que me parecesse, o galinheiro ficava ao lado do quarto deles.
Bem , ele deveria ter seus motivos.
 
Mas como eu pagaria aquela Chácara a vista, meu Deus ?
 
Foi um minuto só para pensar e perguntei :
 
- Senhor Leopoldo, o Senhor me dá 10 dias para eu pagar ?
 
Prontamente me respondeu :
 
- Dou sim.
E vou pedir a Senhora 30 dias para entregar o imóvel depois que a Senhora me pagar, para que eu possa ir a Guriri comprar uma casa.
 
Olhei para meu Fiat Uno de 2 meses apenas...
Lembro-me o número da Placa : 6454.
 
Domingo voltei para Vitória, fui à Agência do Jose Carlos Fiertag e ofereci o carro.
Ele comprou, pagou a vista.
Na Caixa fiz uma Nota Promissória para completar o valor que o Senhor Leopoldo queria.
 
Fiz uma Ordem de Pagamento para que ele retirasse o dinheiro na Agência da Caixa de Pancas.
 
Em 1º de Dezembro de 1989 foi lavrada a Escritura no Cartório do Hilarinho Luchhi, onde registrei com o nome de Chácara Inai (Senhora) -nhá (enchentes, grande volume de águas), inspirada nas águas das enchentes que já haviam começado e invadiam o fundo da Chácara.
 
No Natal fomos inaugurá-la com um churrasco e a costumeira ceia com meus familiares : mãe, irmão, cunhada, sobrinhos, minha filha e alguns amigos e amigas.
 
A Felicidade pairava no verde da Natureza, de frente para a Pedra Camelo.
 
Parecia que eu ainda estava sonhando.