Um alguém Iluminado
Um alguém Iluminado
Era sabido que sobre uma das três montanhas gêmeas na antiga província de Dewa no Japão, vivia um sábio eremita que havia entrado em retiro há muitos anos, entregando-se à meditação e a resolução de problemas práticos da vida. Tamanho conhecimento nem fazia sombra à seu ego monumental. Conhecido por rejeitar a civilização e todo e qualquer sujeito candidato a aprendiz, não partilhava da sua sapiência com nenhum outro mortal, pois acreditava que o trabalho de uma mente surgia e deveria ser enterrado na clausura. Algo que, como mesmo dizia, cada um deveria pensar por si próprio.
Certa vez, um viajante vindo de muito longe, munido pobremente com os poucos trajes do corpo sentou-se ao chão, diante do pequeno cercado de tocos espinhosos que ilustrava muito bem a forma como o ancião preferia manter-se afastado do resto do mundo.
O velho sábio, que sempre saía para cuidar de sua horta, cujos frutos e legumes o alimentavam e o mantinham, ao se deparar com a presença indesejável e não rara de um desconhecido que buscava por seus ensinamentos, foi enfático como sempre:
- Sua busca aqui não renderá mais frutos do que aquela macieira petrificada – apontando para a velha árvore estéril e sem folhas com troncos negros e esquálidos.
- Mestre, desculpe a teimosia que ostento sem orgulho, vim de muito longe, atrás do ensinamento de seres iluminados como o senhor. Estarei aqui fora, sob chuva ou sol, meditando e aguardando que o senhor me aceite como seu aprendiz.
O mestre que entendia aquilo como uma afronta à sua pessoa, virou-se e balbuciou: Então, se prefere ficar ai pelo resto de sua pobre vida... - e partiu, rindo ironicamente.
Durante os dias que se sucediam, o sábio ao cuidar de sua horta, notava que o insistente e pobre rapaz continuava sentado sob a macieira morta, em posição de lotus. Levantava poucas vezes ao longo do dia para alimentar-se com ervas e pequenos frutos que por ali cresciam e durante a noite, dormia aos cuidados de um abrigo feito com galhos e folhas secas. Com a estadia do inverno, abrigava-se da neve, num buraco que havia cavado com as próprias mãos e que passou a ser sua moradia.
Anos se passaram e o sábio continuava a ignorar o pedido do homem que já há algum tempo, havia se tornado parte do meio ambiente numa entranha, porém pacífica simbiose. Durante o dia, estava sempre meditando profundamente sob a árvore petrificada e já há muito sem vida. Parecia não se importar com o frio ou calor ou ainda a escassez de alimentos e a falta de trajes, suas roupas, já haviam se apodrecido há anos. Seu corpo era magro, a pele escurecida e maltratada contrastava com a barba grande que descia ressecada de seu rosto sem expressão.
Alguns anos mais rolaram a deriva do tempo sem que ambos se afetassem, quando numa daquelas manhãs agradáveis de primavera, em que se ouvia apenas o canto dos pássaros e o sibilar da agradável brisa do sul, ao sair de sua cabana para cuidar de sua horta o sábio notou que o estrangeiro, desta vez, estava em pé na frente da cerca de tocos. Seu semblante era muito diferente e sua presença era de pura paz e luz.
- Mestre - disse com a voz mais cheia de doçura e consciente que o sábio já ouvira - humildemente agradeço a todo os ensinamentos que me ofereceste e a todos os momentos de meditação e contemplação que o senhor me proporcionou. Durante os primeiros anos, fraquejei, e pensei em desistir inumeras vezes, depois, passei a buscar por respostas e não as achava. Quando aceitei que eu não era um Ser dígno do Saber, meditava apenas, sentindo o mundo. Passei a escutá-lo, a respirá-lo, a me alimentar com ele e com seu cosmo, vivendo única e exclusivamente na Mãe Gaya. Hoje, estou repleto de amor, e pronto para compartilhar com o resto do mundo a beleza de se estar vivo. Agradeço humildemente por tudo, já que isso só foi possível por sua causa.
Curvou-se em respeito ao mestre, e retirou-se, descendo em direção ao grupo de pequenas casas, por onde havia passados há muitos anos.
O velho morador das montanhas, que havia acompanhado sua saída até onde os olhos conseguiam enxergar, virou-se para sua cabana, e na passagem dos olhos deslumbrou-se com uma macieira resplandescente e cheia de vida, com lindas folhas verdes e os frutos mais belos e brilhantes que já havia visto, e que, outrora, era apenas a memória morta de tempos difíceis e de amargura.
O ancião japonês, pegou poucos pertences e desceu pelo mesmo caminho feito pelo homem que chegou alí, muitos anos antes, como aprendiz, e agora era percebido como um alguém iluminado...
E neste mesmo dia, o estrangeiro que havia compartilhado com a mãe natureza, ganhou mais um discípulo.
Abril a Outubro de 2009
Duke