Deixando você por mim
Aleena abriu lentamente os olhos. Sentia as pálpebras pesadas de sono, e mal conseguia enxergar na escuridão.
Havia apenas um raio de luar entrando no quarto, por uma fresta aberta da janela. E junto com ele, entrava uma brisa suave e fresca. Aspirou bem aquele ar noturno, sentindo certo conforto nele.
Virou-se para o lado. Sabia que não haveria ninguém ali. E aquela consciência já não a feria mais. No fundo, era melhor estar sozinha por completo a ter uma coisa pela metade por perto. Era assim que tinha sido nos últimos tempos. Ela não sabia por quantas semanas ou quantos dias tinha tido por companhia aquele espectro, que algum dia havia amado.
Tudo começara alguns dias depois do equinócio de inverno. O anúncio da guerra pareceu trazer uma aura estranha para a casa. De repente Marco ficara mais sisudo, fechado. Nunca fora um homem de risos fartos ou muitas palavras e Aleena o sabia, mas amava aquele jeito calado e sutil. Só que naqueles dias depois do anúncio, tornara-se mais do que um silêncio... Tornara-se uma fortaleza intransponível para ela.
Aleena sabia que ele era um guerreiro. O conhecia desde pequena e vira-o partir para a guerra, voltar anos depois, um guerreiro vitorioso e aclamado, amado por toda a aldeia como se fosse o próprio Thor. Lembrava o quanto ele era feliz naqueles tempos em que só desejava um sossego, um lugar para se entocar e ficar. E foi daquele jeito que Aleena se apaixonou por ele. Casaram-se naquele mesmo outono.
Tudo parecia muito bem. Os dias iam passando sem perturbações e sem nada que pudesse lhes tirar a paz. Até o anúncio da guerra... E então, Marco não aparecia mais na hora das refeições. Ia dormir tarde. Não ficava mais em casa e não olhava mais nos seus olhos como antes.
E ela agüentou estoicamente aquela estranha rejeição. Até que começou a perguntar, timidamente, por que ele não comia mais ou por que ia tarde para a cama. Engano dela... As perguntas passaram a gerar brigas... Ele começou a gritar. E com o passar dos dias, cansada daquilo, ela também começou a gritar. E os dois gritaram um com o outro até que não houvessem mais palavras que pudessem ser ditas. Só ficou um silêncio grave e doloroso entre os dois.
Quando ele foi embora, junto com os outros homens, para a guerra, Aleena não lhe deu longos beijos e abraços de despedida, nem disse um adeus. Apenas o fitou com olhos tristes, olhos de quem pergunta : o que foi que aconteceu?
Ele partiu e ela ficou no topo do penhasco, olhando a galera se afastar, enquanto ele também a fitava, até que estivessem tão distantes que não conseguissem mais se enxergar. Ela chorou naquela noite. Chorou porque sentia falta de sentir qualquer coisa, que fosse ódio, amor ou rancor, mas algum sentimento...
Mas agora, quando acordava durante a noite e via o espaço vazio ao lado, já não chorava mais. Já não sentia falta... Só sentia a paz e a serenidade do céu depois de uma nevasca horrível. Não sabia se Marco voltaria e não ficava remoendo isso. Simplesmente esperava...
NOTA: Esse conto foi baseado no clipe de uma música chamada "Leaving you for me", interpretada por Tarja Turunen e Martin Kesici.