Auto da Barca do Inferno - Nova Era (1º Capítulo)

Auto da Barca do Inferno

Nova Era

Por Lacrima D’Oro

Os ventos fortes vão soprando, as marés estão a subir… mas a calma mantém-se, parece reinar o anjo e a eterna esperança, neste misterioso mundo, pintada de branco. É esperado alguém, as pedras esvoaçam com a força dos ventos, as poeiras furam as velas das desgastadas naus de madeira negra podre. São verdadeiros sinais da chegada de uma alma perdida.

Uma dama de gentil olhar se aproxima do mal presente, sem sentir o calor dormente. Carrega consigo roupas brancas, que deslumbram com seu cabelo de luz, sente-se perdida, esta jovem Branca Cruz. Em Terra fora dama do bem, pedagoga e conselheira, passou pelo mal fazendo o bem, superou qualquer asneira.

Na Barca do Diabo

Diabo

Que bela peça por cá chegou, bem parece inocentada mas com o conhecimento que lhe darei, não mais será apresentada.

Companheiro

Sem mandar superior, e com medo de sentir dor… peço calma com estranhos, e partilhe-me em pequenos tamanhos.

Diabo

Se inicias concluindo, de certo estarás presumindo que nada te sobrará, pois a ganância minha não te sustentará.

Branca Cruz

De alma perdida passeio, com meio e fim por encontrar, não confesso esconder receio pois temo não mais me levantar.

Companheiro

O meio encontraste a um passo no cruzar de olhar em mim, o fim verás no cansaço do encosto que farás por aqui.

Branca Cruz

Tuas palavras guardam mistério, tua imagem me é cruel…

Diabo

De longe, em vasto império te esperam em chegada neste batel.

Branca Cruz

Que gente aguarda a chegada de ingénua desconhecida? Porque devo embarcar em esta barca descabida?

Companheiro

Em questões estás fechada e queres sair, logo terás conhecido razões reais quando a barca estiver a partir.

Diabo

Questões demais são lançadas, peço-vos calma e entendimento, menor será a espera que o sofrimento.

Branca Cruz

Falastes em barca por mares com fim distante, vejo além mais composta, barca de um sítio circundante.

Diabo

Não julgues espaço lá, em terrenos de almas sãs, ocupado está demais, esperanças são vãs.

Branca Cruz

Que maldade fiz eu para merecer teu castigo, visitarei além alguém mais amigo.

Companheiro

Não vás com fés de gente abençoada, Satanás não terminou sua fala destinada.

Branca Cruz

Não tardeis a dizê-lo com franqueza e convicção, palavras belas de teu génio certamente não virão.

Diabo

Não são conselhos, nem ideias, são palavras da razão, o que viveste em terras azuis não é aceite por barco são.

Branca Cruz

Palavras de código são fáceis de falar, mas a verdade não lhe é garantida, deixe-me rir na morte o que chorei da vida.

Diabo

É lembrada das partidas que ao Cupido lançou? Foram lembranças sofridas para quem lá ficou, palavras discutidas e nem uma lágrima restou.

Branca Cruz

Uma vida é completa com diversos desamores, o mal não me pode ser dado como castigo sem terrores.

Diabo

Não sou fácil de compreensão passiva, levo sempre a melhor, esqueça o que sobrou da vida, prove o quente do calor.

Branca Cruz

Por que me enganas Satanás com tuas palavras escondidas? Pensas que me magoarás com memórias sofridas?

Diabo

Em bom tom pretendestes vencer ideias rivais, mas saiba que fácil não será, cedo é demais. De vida fácil na Terra vencestes, não lutastes e de luxos vivestes.

Branca Cruz

Convences as gentes com ideias erradas, todas acreditam e são enganadas. Seguirei outro caminho por águas calmas, onde não se queimam corpos, e se levantam almas.

O Diabo, expressivamente zangado, regressa ao interior da barca, o companheiro aguarda sentado numa cadeira velha azulada por novas visitas. Branca Cruz aproxima-se da Barca do Anjo.

Branca Cruz

Gentil alma de figura honrada, servirei para ir aqui embarcada?

Anjo

Cruzaremos palavras sinceras, mas que te ofenderam repugnáveis megeras?

Branca Cruz

Maldades fazem a tempo inteiro, vivem da carne como não há dinheiro.

Anjo

Esperta foste porque te escapaste, e em desejo de posse não afundaste.

Puro Legítimo

Em vão conversas te chegaram, felizmente não te enganaram, muitos saem de lá pr’ó fogo, outros por ingenuidade lá se queimaram. Por muito passam antes de entrarem no Forno de Satanás, perdem a pureza que lhes restar com a crueldade que lhes faz.

Branca Cruz

Não julguei ser tão impiedoso o seu mal, por conversas atiradas atrás, entendo agora os códigos de Satanás.

Anjo

Não leves ofensas para além desta barca sagrada, perdoa a malícia dessa gente repugnada.

Branca Cruz

Por pensamentos passei julgando ter atraiçoado quem lá deixei. A carne foi o meu mal, mas lutei por impedir o desejo vital.

Anjo

Esse mal é inaceitável deste lado, mas tua luta foi superior, portanto embarca nesta companhia onde encontrarás gente de valor. Quem lá ficou não te quer o mal por saber de tua importância, e por ter entendimento de que és gente sem ganância.

Branca Cruz

Agradeço a aceitação da minha permanente presença, em vão deixei qualquer ofensa, mas além vou voltar à barca da malvadez, para terminar minha missão com sensatez.

Puro Legítimo

Solta as palavras que guardas em ti, para tua viajem ser de quietude… aguardaremos aqui por tua presença, até lá que o bem te ajude.

Branca Cruz segue até à barca do Diabo para lhe dedicar algumas palavras de justiça, é confrontada de seguida com gente conhecida.

Companheiro

De volta à embarcação que te promete longa travessia por mares de temperaturas elevadas? Bem viste que em barco são não recebem almas penadas!

Branca Cruz

Aqui estou para concluir minha missão de gente da Terra, onde está teu mestre de corpo rasgado e alma de guerra?

Companheiro

Que palavras te pode ele lançar se cá estou eu para te orientar… ah! Não anuncies a tua ausência já, gente conhecida em breve chegará…

Branca Cruz

De quem falas servo cruel, que nem forças tens para comandar desgraçado batel? De que alma falas convicto de a ver? Conheço da terra tal presença por aparecer?

Diabo

Não dês mais exemplos em vão inútil bandalho, em pouco te vira e te faz de espantalho. Já a mim espero palavras ausentes, pois razões sem razão para aqui a trarão… e sem precisar convencer já terei almoço a ferver.

Branca Cruz

Vim dar despedida por tempos sem fim, o mal que fiz na vida não me trará aqui… adiante a barca dourada de paz me bem recebe e satisfaz.

Chega do norte ventoso mais uma alma perdida bem mal… pois sua crueldade não a permitirá conversas de engano, e o seu destino está traçado. O seu nome é Malva, uma rapariga de cabelos claros e ondulados com elegância nos seus passos de falsidade, vivera do luxo e da fartura com dinheiros de outrem, deixara o importante pela carne de um alguém.

Malva

Pois que frio gelado me trouxe aqui? Quem sois que não conheço? Espera lá rapariga da terra, lá em baixo já traçámos guerra…

Diabo

Como vedes… não sou de única ideia de te ter por cá, chegou alguém que por cá te quer também…

Malva

Pois bem ela merece cá estar, já eu vou conhecer outro lugar… Mal não fiz em vida serena, minha alma é grande, e essa barca é pequena. Suportará com essa outra, que demais me enfrentara, acabando por subir cá, onde barcos se afundaram.

Companheiro

Cruel mas pouco sabedora, por onde sonhas gente de pouca verdade? A quem obrigas te chamar senhora?

Malva

Não sou pecadora de carne nem de gula, excessos poucos cometi, cumpri minha religião… não mereço ficar aqui!

Branca Cruz

Agora a situação ganhou rumo… era de fácil adivinhação, vou para terra sã, ficas em calor de vulcão. Em tempos te mostrei o bem, mas ignoraste-o e ao amor também.

Malva

Põe palavras que me rogas sem jeito e sem justiça em tua boca malvada, de pecados e cobiça. Meus filhos não chorarão por simples mestra de educação, já por mãe amada, muito sofrerão.

Companheiro

Guardais ódio e desconfianças passadas, além fronteiras ficareis acomodadas.

Branca Cruz

Irei tranquila e livre de acusações, não vos guardo rancor mas recuso afiliações. Malva, vosso caminho era outro, foi aquele que vos indiquei, fugistes-lhe sem rumo, e agora eu pequei?

Diabo

Guarde o rancor que pouco interessa, eu bem sei que és boa peça.

Malva

Até eu vos condenarei, por males passados que fizestes, rogaste em mim pecados e por eles falecestes.

Branca Cruz

Irei em boa companhia para águas serenas, desejo-vos paz e bom futuro apenas.

Malva

Bem verás que águas dessas te iludiram, quem julgas ser para a tal mundo pertencer?

Branca Cruz sai serena, dirigindo-se à Barca Sagrada, e por lá fica encontrada.

Continua...

( 2º Capítulo: Malva será avaliada pelo Diabo e pelo Anjo, e ainda: O Diabo enfrenta o Anjo... Não Percam )

Lacrima Doro
Enviado por Lacrima Doro em 04/10/2009
Código do texto: T1847755
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