Quando eu me lembrar de você, esqueça-me!
Queria escrever um poema de amor, como fazem na TV. Gostaria de falar as palavras certas, na hora certa, como fazem nos filmes. Mas a única coisa que sei é gostar de você, assim, gostar sem retorno, bem querer e não ser notado. Queria saber ser como aqueles cafajestes da TV da vida real, que entram em seu coração sem pedir licença, como o vizinho que entra em casa e abre a geladeira e pega o que quer sem se incomodar e tampouco se importar. Queria ter o jeito de chegar com a cara de pau daqueles conquistadores extrativistas, que usam, abusam e, quando não mais querem, simplesmente se vão. Afinal, esses são aqueles que você irá se lembrar com bons pensamentos, com bem querer e com muito carinho.
Talvez durante a vida, em um dia ou dois você irá lembrar-se de mim, talvez como aquela figura fofa, ou aquela pessoa que talvez não fosse te machucar como acontecera há pouco, mas que logo passará com as primeiras desculpas esfarrapadas e juramentos de amor eternos vazios e quem sabe, sinceros até que o seu corpinho dê um caldo ou até que o segundo filho não deixe seus peitos muxibentos ou a barriga flácida. Quem sabe.
Só queria ser canalha com dinheiro por um dia, para fazer você se apaixonar pelas grifes, jóias e situação, e depois te fazer de gato e sapato.
Mas as coisas não são assim, então que seja do jeito que têm de ser. É melhor você seguir seu caminho, tortuoso ou reto, sincero ou cheio de saídas e incertezas, não importa qual seja este, seja feliz. Seguirei meu caminho sozinho, apesar de ter feito tudo o que podia para que você estivesse junto comigo. Mas não foi possível. Não sei se o momento não é o mesmo, se a intenção não foi a mesma. Não adianta chorar sobre o leite derramado. Não soube ser o sentimental e cachorro filho da mãe ao mesmo tempo. Afinal é isso que você gosta, é isso que você quer.
Seja feliz...
Uma pausa se faz presente. Rodrigo pega o café e repassa a carta que acabara de escrever. Risca algumas figuras geométricas na borda do caderno de rascunho enquanto repassa o texto. Poderia simplesmente fazer no computador, mas para algumas coisas ainda preferia o modo antigo. E escrever era um deles. Ainda preferia fazer o rascunho em um caderno e caneta, e depois passar o texto para o computador. Também seria muito mais prático enviar um e-mail ou simplesmente entrar no modo dane-se, como chamava, e não procurar ou tampouco falar nada. “Talvez seja dar muito respeito a quem não merece”, pensava consigo enquanto relia o texto. “ Mas se fizer isso, vou contra mim mesmo, então não estou nem ligando. Vai ser assim e acabou. Pelo menos dessa vez farei o que acho que deve ser feito. Pode ser fora de época ou clichê, mas que se dane do mesmo jeito”. Pensava enquanto voltava a fazer rabiscos na borda da carta enquanto tomava um gole no café então morno.
A caneta vai e vem deixando o rastro azul em formas semicirculares enquanto Rodrigo relembra alguns momentos de riso e choro. Foi um relacionamento de sete meses, tempo relativamente curto, mas repleto de emoções. Ao mesmo tempo em que se sente pesaroso, sente um alívio e sensação de leveza como não sentia há muito tempo.
“ No início tudo são flores, dizia o poeta”. Até então achava esta a frase mais cretina da história da literatura, mas agora entendia completamente essa afirmativa. Enquanto a mente ia e voltava em lembranças, sentia vontade de dar um soco em si próprio, ou pelo menos tacar a cabeça na parede. Em alguns momentos se achava ridículo, em outros patético, em alguns, cretino, mas estava certo de que tudo acontecia por uma razão e que pelo menos esse momento havia sido bastante educativo, sentimentalmente falando. Agora havia crescido, ou pelo menos se não soube o que fazer, agora já tem a certeza de que finalmente aprendeu o que NÃO fazer em um relacionamento de qualquer espécie.
De repente Rodrigo levanta da cadeira, vai até uma gaveta no guarda-roupa e puxa uma caixa, e começa a vasculhar os bilhetes, anotações, cartões, e lembranças que foram trocadas durante os sete meses. De fato Rodrigo era bastante sentimental, e havia guardado desde os primeiros bilhetes trocados junto com os pequenos mimos, como chocolates, doces, origamis e outras coisas.
Olha para tudo aquilo; um longo suspiro e de repente o olhar perde um pouco do brilho. Era o principal indício da tristeza que tomava conta de Rodrigo. As mãos tremem a cada bilhete, nota e lembrança que puxa. Lê algumas muito rapidamente, outras joga para o lado e no remexer encontra uma foto Três por quatro dela. Olha para a foto por algum tempo, segura entre os dedos, querendo jogar fora, mas ao mesmo tempo, a foto não quer largá-la.
“Os mortos devem descansar em paz, mesmo os simbolicamente mortos”, pensava. Era hora de deixar tudo ir. Rasga a foto, pega os bilhetes e notas com a letra dela, picota e deposita em um saco de supermercado. Dá um nó bem apertado nas alças, e joga na lixeira. Nesse momento o cachorro aparece com cara de sono e começa a focinhar a caixa, tentando pegá-la. Rodrigo volta, pega a caixa e coloca no chão. “Vai Luke, a caixa é sua agora”. O labrador pega a caixa feliz da vida e vai para baixo da escada, e começa a picotar alegremente o novo brinquedo.
Rodrigo sorri ao ver o cachorro feliz da vida com a caixa.” Você é que é feliz Luke; não tem que se preocupar com essas coisas de amor e sentimento”. O cachorro olha para ele, abana a cauda três vezes e volta a se digladiar com o que ainda sobrava da caixa, como criança quando ganha um presente.
Ele segue para a cozinha, abre a lixeira e joga o saco com os papéis picotados na lata de lixo. Pega alguns biscoitos de cachorro, uma bola e volta para a sala. Chama Luke, dá o biscoito e joga a bola em direção ao corredor da casa, para que ele vá pegá-la. O cachorro olha para Rodrigo e corre atrás do brinquedo que rola rapidamente pelo piso cerâmico.
Rodrigo pega o bilhete, coloca na mesa e se joga no sofá. Desliga o rádio, liga a TV e Luke volta com a bola no focinho, coloca a pata no braço de Rodrigo e solta a bola próxima a mão.