"O PERNETA" Conto de: Flávio Cavalcante

O PERNETA

Conto de:

Flávio Cavalcante

Grupo de amigos. Depois de uns copos a mais em uma mesa de bar, sempre tem os engraçadinhos que arrumam uma maneira de chamar a atenção. O palhaço sempre aparece pra fazer suas gracinhas e a platéia com o efeito do álcool dão gostosas risadas até mesmo de coisas sem graça nenhuma.

O bar do seu Nildon vive cheio por causa do caldo de piranha que é o maior sucesso no lugar. Um atrativo para os fins de semana, principalmente ás sextas feiras princípio de noite que funcionários de vários estabelecimentos, depois de um dia cansativo de trabalho sai direto pro bar a fim de beber uma cervejinha gelada e saborear a guloseima que o seu Nildon oferece como referência e indicação.

Cidade pequena sempre tem suas figuras conhecidas e marcantes e todos se conhecem a chamar pelo nome ou apelido. Uma grande família podemos dizer assim.

O perneta era um homem conhecidíssimo no lugar por ter uma deficiência de nascença. Ela tinha uma perna maior que a outra e por causa deste defeito, ela carregava muitos apelidos e era motivo de chacotas perante o povo do lugarejo, principalmente quando passava á frente do bar do Nildon. Uns o chamavam de Mede passo, Tic-tac do relógio e o pior deles que ele ficava furioso era quando o chamavam de Perneta.

Algumas pessoas iam ao bar do Nildon só pra ficar na expectativa de vir o perneta passar e aí aliviar seus estresses do dia, com boas gargalhadas. Uma verdadeira sessão de humilhação eles faziam em cima do rapaz deficiente. E um detalhe muito importante; o mesmo engraçadinho que fazia as gracinhas pro seus amigos era o mesmo que chacoteava o homem que não gostava nada daquele apelido.

Seu Nildon, além de dono do estabelecimento era um advogado formado e também conhecido na região e não gostava nada do que via, quando os seus clientes anarquistas faziam algazarras em cima daquele pobre homem, que tinha aquele defeito por obra e graça da própria natureza.

Assim o perneta ia levando a sua vida sem dar ouvidos aos anarquistas. Via-se claramente nos olhos daquele homem que ele carregava uma profunda tristeza e o Nildon sabia de que se tratava, pois, algumas vezes no meio da semana perneta ia desabafar com o dono daquele estabelecimento.

Nildon atribuía a tristeza daquele homem de perna curta ao fato dele não ter uma mulher que o quisesse amá-lo devido ao seu problema.

Vinte e sete anos que o Perneta foi humilhado e excluído da sociedade por causa de sua deficiência. O impressionante é que o pobre homem apesar de ficar magoado, não tomava nenhuma satisfação e já levava aquilo como algo natural.

Finalmente um belo dia, perneta consegue o grande amor de sua vida. Um anjo querubim parece ter flechado o seu coração. Uma bela mulher daquele pequeno lugarejo aceita finalmente namorar aquele que era motivos de chacotas por toda a cidade.

O passeio grudado com a doce amada era certo todo fim de tarde. Cinema, banco de praça e etc. Um casal realmente apaixonado andando pela cidade. Dois pombinhos realmente feitos um para o outro. O perneta já se via uma pessoa normal e não mais atribuía o fato de não conseguir arrumar uma namorada ao defeito que ele carregava.

A ponta da prova foi quando passou pelo bar e lá estavam todos anarquistas que gostavam de chacotear o rapaz e o episódio das chacotas estava tão grandioso que bastou o engraçadinho olhar para o perneta com a namorada para abrir os braços achando que ia fazer a maior palhaçada de sua vida.

Foi numa sexta feira no começo da noite. Olhem só o perneta! (Disse o anarquista em tom de zombaria. Perneta olhou para o dito, pediu licença para a sua namorada e se aproximou do cujo e falou ao seu ouvido com bastante educação).

- Cara, eu lhe peço! Respeite a minha namorada! Todo mundo sabe da minha dificuldade de arranjar uma... Quando eu não tiver com ela, você pode falar o que quiser... (Bastou o perneta chamar a atenção do camarada pra ele dar uma gargalhada chamando a atenção de todos).

* Olhem só! O perneta ta com uma namorada... Ele não quer que eu o chame pelo apelido por causa da namoradinha... O que é que há, Perneta você não era assim... (Naquele momento o perneta foi tomado por um ódio inominável, sacou uma faca amolada e rasgou a barriga do agitador até a morte. Todos seguraram o perneta. A polícia chegou de imediato e levou o perneta preso. A partir daí, sua vida deu uma guinada de 180 º . Perneta amargurou dentro da cadeia, sofrendo discriminação por causa do defeito que ele tinha na perna e por ser pobre; por não ter dinheiro pra pagar um bom advogado.

A única testemunha a favor daquele deficiente foi o Nildon, dono estabelecimento e advogado. Ele presenciou toda a cena do crime e ia visitar o perneta todos os dias na delegacia e sofria com o sofrimento do rapaz que apenas agiu pelo impulso do ódio momentâneo.

O perneta passou um bom tempo na prisão. O Nildon resolveu ser o advogado dele no julgamento; pois via que ali houve uma injustiça para com o deficiente que acabou com a sua vida na hora em que ele estava com toda carga de felicidade.

Finalmente, chegou o dia do julgamento. Todos estavam presentes, jurados, promotor de justiça, o Nildon, advogado de perneta e um advogado do autor, que a família havia arranjado na intenção de deixar o perneta apodrecer na cadeia. Foi o julgamento mais rápido que eu vi na minha vida e posso dizer; o mais interessante.

O juiz fez a abertura e passou a palavra para o advogado do autor. E ele simplesmente escachou o perneta acusando de louco e colocando o rapaz que morreu como um cidadão pai de família e que este crime significava mais um dos crimes bárbaros acontecidos na região. Apresentou duas testemunhas, que detonou o perneta. Por vez o promotor aproveitou para também derrubar as esperanças do deficiente o acusando de ter cometido o assassinato por ser um crime com requinte de crueldade tentando convencer os jurados a votar contra.

O Juiz finalmente deu a palavra ao Nildon advogado de defesa do perneta. Nildon levantou, agradeceu ao Juiz retrucou as acusações de forma inteligentíssima.

- Excelentíssimo senhor doutor juiz desta comarca, Ilustríssimos senhores jurados, agradeço a presença de todos os convidados presentes... Ilustríssimo senhores amigos da platéia assistente... (Por meia hora Nildon elogiou, agradeceu, excelentíssimo aqui, ilustríssimo ali, obrigado aqui, obrigado ali. Repentinamente o advogado do autor levantou e pediu a palavra ao Juiz, que foi concedida de imediato).

• Excelência! Se o nobre colega advogado do réu não tem condições de defender o seu cliente, peço que ele se retire; pois, estou com meus ouvidos doendo com meia de hora contadinha no relógio de elogios e agradecimentos.

Nildon abriu aquele sorriso e retrucou de imediato.

Meia hora apenas de elogios, Excelência... Com meia hora o meu nobre colega se incomodou! O que vossa excelência me diz de um cidadão que há vinte e sete anos foi chacoteado por um nome pejorativo de PERNETA? Não acha que chegaria a esta atitude de meu cliente? (O juiz bateu o martelo e os jurados absolveram o Perneta por sete a zero).

O PERNETA SAIU DA CADEIA PEGOU A NAMORADA FOI EMBORA DO LUGAR E NUNCA MAIS SE TEVE NOTÍCIA. O JULGAMENTO DO PERNETA AINDA HOJE SERVE DE EXEMPLO EM UNIVERSIDADES DE DIREITO PENAL.

Flavio Cavalcante
Enviado por Flavio Cavalcante em 09/09/2009
Reeditado em 09/09/2009
Código do texto: T1800265
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