Mar de Memórias
Um homem alto admirava a paisagem pela varanda. Reteu seu olhar na lua enquanto uma brisa percorria o ambiente. Ao seu lado, uma mulher que, certamente, o acompanhava, sentou-se. Outro homem sorriu brevemente enquanto conversavam entre casais.
- Me lembro dos livros – o homem à sua frente falou.
O garçom apontou-me a direção da mesa, mesmo que minha memória já redesenhasse os traços, como se aqueles anos tivessem sido, somente por um momento, resumidos em pequenas frações de tempo. Uma onda explodiu junto a meu peito enquanto caminhava até a mesa. Mais uma vez navegava no mar de minhas lembranças.
Apenas sorri enquanto Renato se levantava, logo seguido por Lucas. Um sorriso que continha minha emoção. Um abraço resumia qualquer palavra que poderia estar guardada conosco. O sal das primeiras lágrimas dominou nossas faces.
- Saudades – falei enquanto nos abraçávamos. Lucas e Renato
concordaram com um sorriso.
- Nos conte suas histórias. – Lucas sugeriu.
As esposas apresentaram-se junto a mim e a minha mulher, enquanto nos acomodavámos na mesa.
- O Poeta – Renato falou, como se acabasse de ler aquela história, numa manhã nublada de inverno.
Uma mulher alta e de cabelos longos se aproximou rapidamente. Levantei lentamente. Uma lágrima percorreu meu sorriso. A mesma lágrima de saudade, sob a mesma lua, que refletia uma velha amizade e suas lembranças que os anos não apagaram. Um abraço e um sussurro. Eduardha e o marido sentaram-se na mesa.
Por um segundo, vivia mais uma vez minha adolescência. O ruído da máquina que preenchia minhas manhãs se confundiam com o som das teclas do teclado, pressionadas lentamente, escolhendo cada palavra cuidadosamente.
As conversas de recreio, junto a Lucas e Renato, invadiam-me mais uma vez, como se ainda estivéssemos naquela mesma sala onde aquele encontro começava a escrever nossas histórias.
Naquela noite escrevia um novo capítulo de nossas vidas. Todos silenciaram-se por um momento, enquanto antigos personagens chegavam ao restaurante. Ouvia-se o leve som do mar. As histórias eram contadas, desde a velha escola, onde nossos destinos se cruzaram eternamente.
- Guardo tais palavras – Eduardha respondeu enquanto ouvia-se o mar ao fundo.
Tirou um pequeno pedaço de papel amassado de seu bolso colocando-o no centro da mesa. As bordas da folha já se tornavam amareladas. Li as primeiras frases rapidamente. A história daquele Poeta já percorria minha memória e seus segredos.
Em dado momento da sua narrativa, Renato contemplou a lua. A mesma lua daquele mês de dezembro, sob a qual minha vida começaria a navegar por outros mares.
- Curtos e intensos meses – Nina falava enquando seu olhar percorria o grupo. – Um filme no final da semana.
Uma amizade que se resumiu na intensidade daqueles poucos meses e na saudade que deixamos em nossos corações. Lucas sorriu. Um sorriso que ainda estava guardado em minha memória.
- Uma explosão de Coca-Cola – olhou subitamente para Renato esperando que ele compartilhase aquela mesma lembrança.
- Sim, me lembro – Nina e Mariana sorriram.
Ainda esperavam minha história. O capítulo que havia escrito em outras terras, longe destas pessoas que hoje dividem a mesma mesa, como se estivéssemos em mais um encontro de sábado à noite.
- Planejamos a festa – as meninas começaram a falar.
Eduardha narrava aquelas manhãs de verão que antecederam minha partida. Os planos e os segredos.
Uma manhã nublada nascia sob a escola, enquanto subia, já atrasado, se não me falha a memória, as escadas de granito.
- Vi algumas meninas carregando sacolas – completei. – Sim, planejaram perfeitamente.
Continuei a subir, tomado pelas primeiras lágrimas de saudade. Lucas e Renato já estavam na sala, surpreendentemente discretos.
Ainda lembro-me, vagamente, daquele recreio solitário. Encontrei Lucas ao tocar da sineta. Conduziu-me a nobre sala de madeira, um refúgio de sol entre poucas árvores.
Música e aplausos se confudiam quando entramos na sala. No quadro-negro, pude observar uma faixa com meu nome. Sorri enquanto vivia minha própria memória. Vivi amores e amizades, percorri imagens e palavras, reescrevi cenas, como se vivesse o filme de minha vida.
Um amor invadiu-me junto à emoção expressa em minha face e por frases incompletas. Uma manhã que permanece viva em minha mente e palavras.
Uma nova onda estorou na praia escura. O mar era negro, apenas iluminado pela vaga luz da lua. Sob um breve momento de silêncio, todos esperavam aquele novo capítulo, que conheciam apenas pelas ondas digitais.
Narrei amizades e amores. Descrevia cenas e diálogos. Sorria com os caminhos pelos quais o destino havia me conduzido e os encontros que me fizeram escrever outras estórias.
Quando silenciei novamente, pude ver algumas lágrimas bailando em meu olhar. Marcas de uma amizade que não se perdeu com o passar lento daqueles anos. As faces redesenhavam-se. Era o mesmo Poeta que aguardava ansioso a resposta de sua musa. Era o mesmo menino e seus dígitos na máquina preta. O mesmo menino que aprendia, naquela manhã de verão, a conviver com a saudade.
Seu olhar brilhava. Sorriu. Ainda lembrava do tempo das conversas digitais, onde nossos curtos nomes eram um sinal de afeto. Agora sorria. Não mais o sentimento de medo ou insegurança. Havíamos encontrado nossos grandes amores, assim como Eduardha havia prometido.
Lucas e Renato pareciam se lembrar daquele tempo como se os anos fossem resumidos a poucos dias. Podiam lembrar das conversas de recreio e das histórias ali contadas. Em suas faces, permanecia a enxergar os meninos com os quais fazia pesquisas em tardes nubladas e compartilhava, certas vezes, as respostas da prova.
- A folha estava em pé na máquina – disse Lucas, - e ao meu toque, Fernando se movimentava para o lado, revelando as respostas – Lucas sorria.
- Eu confesso – admiti em tom de ironia.
Podia ouvir o mar e contemplar o balancar dos coqueiros ao vento. Ouvia novamente os mesmos sons que um dia preencheram minha infância e alguns anos de adolescência. Anos que podiam ser contados através dessas mesmas pessoas à minha frente neste momento.
A beleza do destino e seus encontros se resumia àquele momento. Uma amizade que se guardou em nossos corações e no mar de nossas memórias, mesmo que os anos tenham passado e que outros encontros marcado nossas vidas.
Continuamos a conversar pela noite. Casais entravam e saíam do restaurante. Crianças adomerciam no colo de seus pais. Olhei o relógio por um momento e o escondi em meu bolso, como se as horas já não importassem. Ainda havia histórias a serem contadas.
- Um longo tempo de nossas vidas – falou Lucas.
- Apenas vinte anos – completei.