Across: Um novo Mundo: III - Finalmente, uma visita
Depois de ouvir alguém bater a porta, ela se levantou apressada e foi em direção ao banheiro enquanto dizia ao filho que acabara de acordar:
_ Rafael, atende à porta!
O menino percebeu que a mãe ia lavar o rosto. Olhou-a por um tempo, indeciso se precisa se preocupar com aquilo. Bateram de novo. Do banheiro, Estela gritou:
_ Rafael!
Ele, então pulou da cama e correu até a porta, abriu apressado e viu um casal muito simpático:
_ Oi, querido. – Disse a mulher, que usava um vestido vermelho com bolinhas pretas com um casaco preto e tinha os cabelos loiros cacheados.
Ele disse oi, timidamente e se afastou para que os dois entrassem. Ela continuou:
_ Cadê sua mãe?
Estela entrou na pequena sala:
_ Que bom ver vocês. Já estava com saudades!
Ela os abraçou e então apontou para os sofás para que se sentassem. Seus móveis eram muito bonitos e modernos. Em tons de púrpura, tabaco e branco, muito bem arranjados, o que dava um ar agradável ao ambiente.
Todos se sentaram. Automaticamente o assento se ajustava ao biótipo, e tornava-se mais confortável. Estela perguntou:
_ Então, Bianca, o que vocês fazem aqui?
Bianca, sorriu, não sabia se já podia tocar naquele assunto, olhou para Rafael amavelmente:
_ Viemos te visitar. Eu e o Caio, estamos tão sozinhos.
Caio olhou para a mulher, percebendo que alguma coisa estava errado nela. Era um homem muito bonito e uns dos mais inteligentes do banco onde trabalhava. Tinha quase sempre um olhar de superioridade, mas no fundo era uma pessoa humilde, simples e tranqüila. Então falou:
_ Precisávamos de férias. Como estão as coisas por aqui? Quando o Marcelo volta?
_ Está tudo bem. Na medida do possível. Às vezes nem parece que estamos envolvidos numa guerra.
Caio abaixou os olhos. Amargava a situação que sua nação se encontrava.
Logo Rafael estava envolvido numa brincadeira com um aviãozinho de brinquedo, enquanto os adultos conversavam distraídos sobre assuntos banais, remoendo discretamente seus sentimentos de culpa, ódio e saudade.
Rafael passeava pela sala, envolvia-se entre eles e ouvia algumas poucas palavras, às vezes ficava curioso e prestava um pouco mais de atenção, mas logo se entediava e voltava à sua diversão.
Distante, ele ouviu umas vozes de meninos brincando. Entusiasmado pulou na frente da mãe:
_ Mãe, posso ir brincar com o Pedro, lá fora?
_ Não, Rafael. Não gosto que você fique brincando na rua.
O menino pestanejou, e quase estava aos prantos quando Caio interviu:
_ Tudo bem Estela, eu fico um pouco com ele.
Caio pressentia que as irmãs precisavam conversar. E precisavam ficar a sós. Ele mesmo não queria mais aquelas conversas banais. Se levantou, deixando o menino em êxtase de felicidade. Os dois foram para rua.
Bianca se sentou do lado da irmã. Estela mantinha o olhar para o chão. Não gostava de deixar o filho na rua, Marcelo odiava aquilo.
Bianca acarinhou os cabelos da irmã, e falou:
_ Sinto saudades de você. Porque você não volta para casa? Pelo menos enquanto o Marcelo estiver fora.
_ Não posso Bianca. – O olhar de Estela se mantinha baixo. – Tenho que cuidar da minha casa.
_ Tem previsão para o Marcelo voltar?
Houve um tempo de pausa. Estela então, olhando para a irmã falou:
_ Você pode acreditar que estamos passando por isso? Justamente nós? Nós que estivemos à frente dessa briga? Que éramos contra tudo isso.
_ Política não é fácil.
_ Isso não se trata de política. Não se trata de nada. Se trata de pessoas ignorantes, injustas, que sempre detêm o poder. Pessoas que não sabem o que fazer.
Bianca se mantinha calada, parecia que a irmã precisava desabafar.
Estela continuou:
_ Eu só queria que as coisas voltassem a ser como antes. Queria parar nos momentos de nossas vidas, quando éramos felizes. Acordar todos os dias naquela banalidade. Quando eu podia só me importar com o desenvolvimento do Rafael. Se ele estava crescendo bem, se cairiam os dentes, se estava machucado ou aprendendo a ler.
_ Estela.
_ Queria que a injustiça fosse simples. Que todos soubessem e entendessem o que é errado.
_ Não somos nós quem decide isso.
_ Eu sei. Mas deveríamos.
Houve mais um momento de silêncio.
Bianca então falou:
_ Haverá desses momentos em nossas vidas, sempre. Quando você vai querer que tudo se acabe logo. Tudo isso tem uma razão de ser.
_ Como você pode ter tanta certeza disso? – Estela encarava a irmã com expressão de socorro. – Como pode se manter tão serena?
_ Da mesma forma que você consegue. Não estamos aqui para pular etapas. Estamos aqui para aprender. Para mudar. Para nos moldar. Para nos resignar.
_ Não acredito mais em nada disso. Só vejo injustiças.
_ Então pare de ver. Sinta. As coisas vão melhorar. E mesmo que não aconteça, você precisa viver e se conformar, Estela. As coisas são, como elas deveriam ser. Independe de crenças e medos. Independente dos seus desejos, Estela. Lamentar não vai trazer de volta o que era bom. E se trouxesse, o que era ruim também voltaria. Os momentos não estão aí para ser escolhidos, mas para serem vividos.
_ Qual a definição de viver?