O CORONEL

Coronel ! Era assim que gostava de ser chamado. Nem pro tiro de guerra tinha ido. Homem criado no campo, gostava de coisas simples, mas tinha uma retórica de fazer inveja a qualquer bacharel. Certa feita um advogado, ao conhecê-lo e trocar meia dúzia de palavras disse: Se eu tivesse uma voz forte como a sua, certamente não perderia nenhum "caso"!. O elogio veio como um troféu. Uma medalha de honra ao mérito por serviços prestados à humanidade. Isso sim era elogio, pensou Coronel. Quando soltava sua voz e contava as estórias, que não eram poucas, todos escutavam atentos. Nem tanto pela estória, mas mais pelo timbre de voz, e a firmeza ao falar. Estórias recheadas de exageros, que os menos avisados acreditavam piamente. Coronel ria depois. Contava pra todo mundo rindo, sabedor das mentiras que pregava. Adorava vestir uma calça verde exército e dizia, quando alguém duvidava da sua patente. Respeite a farda moço, segurando no tecido verde! Fez o extinto curso de Madureza – para quem não lembra, corresponde hoje ao supletivo. Desses cursos de quem perdeu tempo e tenta recuperar o prejuízo escolar mais rapidamente. Dizia, quando perguntado: Estudei na Escola Técnica de Comércio. Nem ele sabia ao certo se existia tal curso, mas todos ficavam olhando atentos. Que diabos será essa tal Escola Técnica de Comércio ? Ponta esquerda dos bons, nos tempos de juventude, dizia. Treinou na Ponte Preta e no Ferroviária de Araraquara, enfatizava. Quase foi profissional, não tivesse a necessidade de trabalhar. Nunca vi Coronel fazer nada com a perna esquerda, a não ser para apoiar a andadura, como comumente fazemos os destros. Ao falar que era canhoto dos bons, esticava a perna esquerda, chutando o ar. Mas não era só isso. Dizia que batia com as duas. Jogador bom, tem que usar os dois pés, o esquerdo e o direito. Contava que quando criança, na roça, seu pai o mandava buscar um cavalo no pasto. Se não trouxesse o cavalo, trazia um pedaço da crina. Homem que é homem não desobedece ordem do pai. Ia à venda comprar lingüiça, a mando do pai. Não tinha linguiça. Trouxe um quilo de corda de sisal, contava, alertando que isso era satisfação pura pro pai. Pois é, assim era o Coronel. Aos cinqüenta e poucos anos não tinha barriga alguma. O corpo esbelto e musculoso dava credibilidade em relação à vida atlética que dizia ter tido. Violeiro dos bons. Tirava uns dois ou três acordes, e deixava o violão de lado. Aos protestos dos ouvintes, Coronel dizia que não podia tocar o violão que lembrava do pai, deixando todos com os olhos marejados, comovidos. Completava - se tivesse uma boa viola aqui todos viriam o que faço com ela. Faço a danada chorar, como meu pai fazia. Coronel era uma pessoa fantástica. Tinha o nariz grande e as sobrancelhas grossas. Dizia - Sou descendente de Árabes, meus antepassados vieram de longe. Coronel era filho de negro com índia. De Árabe talvez, e somente, o convencimento que exercia em todos. Coronel carregava uma escama de peixe que parecia um pedaço de casco de cavalo. Era de um peixe pescado na barranca do Rio Grande. Seis horas de luta pra tirar o bicho da água. Cinco quilos de sal pra conservar o bitelo porque no lugar não tinha energia elétrica. Pus a cabeça do peixe junto da minha, em pé, o rabo arrastava no chão, contava. Coronel era fantástico. Rodou o mundo. Conheceu o Brasil inteiro, dizia. De Norte a Sul, de Leste à Oeste. Sabia todas as capitais do país, sem nunca ter saído do interior paulista. Coronel era fantástico. Coronel anda hoje por vários lugares. Com certeza com sua calça verde exército. Talvez montado em algum cavalo bravo com o violão nas costas. Quem sabe navegando no lombo dum peixe igual ao pescado nas barrancas do Rio Grande. E quando perguntarem como chegou à patente de coronel, todos se sentarão ao seu redor, e ele certamente contará tudo...tudinho.

Sávio Henrique Pagliusi Lima
Enviado por Sávio Henrique Pagliusi Lima em 05/09/2009
Reeditado em 10/01/2012
Código do texto: T1793824
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