Desespero de um escritor
Alarido gigantesco. Para lá, correm uns; para cá, outros, amontoados, estão vazios por dentro. Há uma seara de sentimentos inimaginável. O tropel aumenta. Esguio, tento colocar um terceiro olho no meio da testa: quero ver. Nada. Fundamento centenas de decisões em segundos. Começo a agir, observo; paro. Esse banzé é meu pensamento. Ele dissocia-se rápido; depois associa-se. No fim, não conclui nada. Em minha cabeça havia um revolver apontado. Dê-me tudo, ouvi. A reação absoluta foi o relato acima. Em pouco tempo, roubou-me ele. Levou-me tudo, ou quase. Sarjeta mísera das minhas qualidades inestimáveis... Como pôde? O que pode, aliás - e como um suplício - derrubar-me assim? Não era a morte que me importava; era apenas a continuidade; o desenvolver do que posso. Era isso. Como um relâmpago que corta a noite ensolarada, disse: Tu, tu, ó moço ilibado, peço-te apenas que me deixe – o que já é pouco – os sonhos. Seria muito pedir-lhe que não me roubasse meus sonhos?
E os sonhos, assim – em segredo – ficaram, como hão de ficar todos os nossos frutos na terra. Aliás, nossos únicos frutos: os sonhos. Ficaram para mim - que sou leitor superficial -; mas não para ele, e é o que segue.
Esse foi, fundamentalmente, o relato precário do senhor Plácido Ferreira. Egrégio homem, venturoso e prestativo para a sua pátria, desejou apenas – durante toda sua vida (e olhe que aqui a filosofia de Schopenhauer pode ser contrariada) – a publicação de seu filho, seu primogênito e único filho: o livro. Recusado, resolveu, em um mínimo laivo de banzo, verter – como Werther um dia o fez – suas lágrimas. A elas não seguiu-se (como ao nosso jovem poeta sonhador) o suicídio; seguiu-se, porém, o esmorecer de uma vida irrealizada; a perda de uma força inestimável. Foi-se, assim, a magnânima e última energia: a criação. Eu, que apenas sou um relator coberto de cartas, mostro o quão doloroso é ser desacreditado, ainda que resguardado de pundonor sentimento; mostro, também, o que é estar preso, fortuitamente, aos preconceitos da idade (contava ele vinte e cinco anos). Muitos sentiram-se como ele; outros sentir-se-ão. Ele, hoje desfeito da escrita, discorda do significado da palavra esperança. Meu único desejo é que isso desfaça-se. Acha tu, ó Plácido, o pote de ouro de tu’alma; vê, a sós, como é lindo teu interior, como o é o de qualquer verdadeiro poeta.